Pela primeira vez desde a década de 1960, roteiristas e atores dos Estados Unidos estão em greve, em busca de melhorias para cada uma das categorias. Assim, séries e filmes tiveram suas produções interrompidas temporariamente, o que pode gerar um vácuo no mercado, mas diferente da greve que ocorreu entre 2007 e 2008, o público não deve se sentir tão afetado tendo em vista que os serviços de streaming incentivaram a produção e consumo do audiovisual de outras partes do mundo.

Entendendo as greves

O Sindicato dos Roteiristas dos Estados Unidos (WGA) está em greve desde o início de maio deste ano. Uma das principais reivindicações do sindicato são os residuais, uma compensação financeira aos colaboradores de uma obra, a partir dos direitos de transmissão, que não estão sendo pagos de forma justa aos trabalhadores. Há também o agravante do uso de inteligência artificial (IA) para a criação de roteiros, o que pode ameaçar o trabalho dos roteiristas.

As reivindicações do Sindicato dos Atores dos EUA (SAG-AFTRA) são similares às do WGA. Eles também se sentem ameaçados pelas IAs, por temerem não conseguir proteger suas próprias imagens, e melhores acordos com os estúdios para melhorar seus salários e condições de trabalho superiores. O SAG-AFTRA oficializou sua greve na última sexta-feira (14).

Com ambas as greves em vigor, agora Hollywood está totalmente paralisada. Se antes da greve dos atores, os estúdios ainda conseguiam produzir filmes e séries com roteiros finalizados, agora estas produções foram totalmente interrompidas. Nem ao menos fazer a promoção de trabalhos anteriores à greve atores e roteiristas estão autorizados, então ver Margot Robbie de rosa na estreia de “Barbie” é algo que podemos esquecer.

Para além dos EUA

Um dos pontos mais marcantes da greve dos roteiristas entre 2007 e 2008 foi o impulsionamento de reality shows na TV norte-americana. Por se tratarem de programas não-roteirizados, as emissoras do país precisaram apostar todas suas fichas neste tipo de conteúdo para conseguir preencher minimamente suas grades de exibição.

O público, entretanto, foi bruscamente impactado. Com a dependência do mercado norte-americano, os consumidores ao redor do mundo viram suas grandes séries como “The Big Bang Theory”, “House” e “The Office” serem paralisadas totalmente e, consequentemente, ficaram órfãs de conteúdo. Hoje, com os streamings, o cenário é diferente e o público nem deve sentir com tanta intensidade a paralisação de Hollywood.

Os streamings popularizaram o consumo e produção de conteúdos em outros países para além dos Estados Unidos. A Netflix, por exemplo, foi a grande pioneira ao apostar todas suas fichas em séries como “La Casa de Papel” e “Dark”, que se tornaram um verdadeiro sucesso de público. Foram inclusive séries como essas que fizeram os espectadores globais entenderem que existe um mercado além do norte-americano, e com muita qualidade, diga-se de passagem.

Impulsionando k-dramas

Internacionalmente, os k-dramas se tornaram um dos principais produtos para a TV. O gênero surfa na crista da onda após mais de uma década se inserindo no mercado global e, muito desse sucesso, se deu justamente pela Netflix, por ser o primeiro serviço de streaming a entender seu potencial, enquanto outros serviços como Max e Amazon Prime Video correm atrás do prejuízo até hoje.

Não será surpresa, entretanto, se em meio a crise de Hollywood, os k-dramas, ou melhor, todo o audiovisual sul-coreano seja ainda mais impulsionado. Ora, o maior sucesso comercial da Netflix é justamente um k-drama. Quase dois anos depois, “Round 6” ainda é a produção mais consumida da plataforma, com 1,6 bilhões de horas assistidas, segundo um levantamento divulgado pela própria Netflix. O público ama.

O sucesso da série é resultado de um investimento anterior pela Netflix, que ainda colhe muitos frutos, como as inúmeras produções que conquistam um lugar entre as mais assistidas da semana. E, daqui pra frente, o cenário se mantém ainda mais positivo dentro da Netflix, tendo em vista que a plataforma vai injetar cerca de R$ 13 bilhões no audiovisual sul-coreano. O valor será distribuído em séries, filmes e conteúdo não-roteirizado.

Ter outros estúdios correndo atrás do movimento iniciado pela Netflix também ajuda no cenário atual. A chegada do Disney+ na Coreia do Sul foi determinante para que o rato capitalista apostasse nas suas primeiras produções, enquanto Amazon Prime Video cria um catálogo minimamente robusto com clássicos e novos lançamentos, e Apple TV+ busca priorizar qualidade ao invés de quantidade.

Inclusive, o prestígio da crítica também é um fator importante. Desde “Parasita” ‒ vencedor de quatro Oscars, incluindo Melhor Filme ‒ a crítica especializada voltou a olhar com mais atenção para produções sul-coreanas. O mesmo se repetiu com “Round 6” e “Pachinko”. Claro, para o público, pouco disso importa, mas é essencial para uma produção contar também com prestígio de especialistas. Todo estúdio gosta de uma prateleira cheia de prêmios.

Outro ponto que beneficia os k-dramas é o fato do gênero ser sustentado por uma indústria que não para. Então, se Hollywood está paralisado, o audiovisual sul-coreano nunca esteve tão aquecido e o público nunca esteve tão abastecido de conteúdo.

A greve dos atores e roteiristas em Hollywood é, de fato, importante e o público sabe disso. Mas esse mesmo público foi educado a consumir um grande volume de conteúdos. Portanto, com o principal serviço de streaming no mundo investindo muito em k-dramas, o consumir pode acabar ficando “encurralado” e, quando menos perceber, estará maratonando uma série coreana e torcendo para o beijo entre os protagonistas acontecer.