“It’s Ok to Not Be Ok”, ou “Tudo Bem Não Ser Normal”, é mais um k-drama original Netflix que merece destaque pela originalidade da história e também por assuntos complexos que são abordados indiretamente, ao longo da história. A produção ocupou o Top10 na plataforma, tanto no Brasil quanto no mundo, e foi bastante mencionado pela trilha sonora emocionante e pela abertura super diferente.
Confira a resenha de It’s Ok to Not Be Ok!

9/10

It’s Ok To Not Be Ok / Psycho, But It’s Ok

Título original: 사이코지만 괜찮아 (Saikojiman Gwaenchanha)

Direção: Park Shin Woo

Roteirista(s): Jo Young

Elenco: Kim Soo Hyun, Seo Ye Ji, Oh Jung Se, Park Gyu Young

Empresa(s): tvN

Episódio(s): 16

Ano de lançamento: 2020

Plataformas atendidas: Netflix

Sinopse: A história de um cuidador em uma clínica psiquiátrica e uma escritora de livros infantis que sofre de transtorno de personalidade antissocial. Um homem que nega o amor e uma mulher que não conhece o amor desafiam o destino e se apaixonam, encontrando suas almas e identidades no processo. (Sinopse adaptada e traduzida do site MyDramaList.com)

PERSONAGENS

KO MOON-YOUNG

Ko Moon-young (Seo Ya-ji) é uma famosa escritora de livros infanto-juvenis e lida com transtorno de personalidade antissocial. Por conta disso, acaba sendo uma pessoa fria que não se importa com o que os outros dizem. Se mete em vários escândalos que comprometem sua imagem como autora, mas poucos sabem que teve uma infância sem afeto e amor dos pais e, por isso, leva esse trauma consigo.

MOON KANG-TAE

Moon Kang-tae (Kim Soo-hyun) é cuidador em uma clínica psiquiátrica e vive sozinho com seu irmão mais velho. Cresceu com diversos traumas e culpas que o afligem desde criança, principalmente após a morte da mãe. Por conta disso, decide viver a vida para cuidar de seu irmão e se fecha para as outras pessoas.

MOON SANG-TAE

Moon Sang-tae (Oh Jung-se) é irmão mais velho de Kang-tae e possui Transtorno do Espectro Autista (TEA). Fã nº 1 de dinossauros e da escritora Moon-young, coleciona todos os livros dela, além de ser um homem muito sincero e decidido. Por conta de seu transtorno, seu irmão mais novo o superprotege e isso acaba o frustrando, pois assim não consegue viver por si só, tampouco trabalhar como ilustrador.

A DIREÇÃO DE ARTE

Ultimamente, percebemos que há um investimento forte na estética dos k-dramas, principalmente os que são produzidos pela Netflix. Com “It’s Okay to Not Be Okay” não é diferente e conseguimos perceber isso com a própria abertura do drama. Costumo prestar muita atenção nesses detalhes e é notável a dedicação que a equipe de direção de arte teve em criar todo o conceito dos personagens animados para representar os próprios protagonistas da história.

Quem já assistiu sabe que o k-drama inteiro apresenta histórias de livros infanto-juvenis, pois a profissão da Ko Moon-young é de escritora. Também há um destaque muito grande nas ilustrações dos livros que ela escreve, pois são um tanto quanto peculiares para um livro infantil. Com histórias tristes e até um pouco sombrias, Moon-young traz a fantasia com o toque de realidade para seus leitores mirins, incluindo Moon Sang-tae. Este, por sua vez, faz ilustrações belíssimas e que só ao longo do drama conseguimos perceber a ligação dos personagens da abertura — e que constantemente aparecem ao longo do drama — com a história em si.

Claro que dá para notar quem são esses personagens animados logo de cara, mas a estética dos “bonequinhos” e porquê eles existem fazem bastante sentido no final. Eles não estão ali só para enfeitar e deixar tudo mais lindo e sensível. Além de criar um apego com o telespectador, deram um ar mais lúdico ao drama e eu simplesmente amei isso. A verdade é que mesmo que o drama tenha retratado essas histórias para o público infantil, elas se encaixam na realidade de pessoas de qualquer faixa etária, fazendo com que quem ouça os contos se identifique e se emocione.

Um fato muito interessante é que os três livros que aparecem no drama, escritos pela personagem Ko Moon-young, são obras que realmente existem e estão disponíveis para compra! Todos são escritos por Jo Yong, que também é roteirista do k-drama, e ilustrados por Jamsan.

Veja os vídeos das histórias de cada livro, contadas ao longo dos episódios de “It’s Okay to Not Be Okay”:

Resenha: It's Ok to Not Be Ok
De trás para frente: “The Boy Who Fed On Nightmares”, “The Child With No Feelings” e “The Cheerful Dog”

A HISTÓRIA

A história de “It’s Okay to Not Be Okay” me cativou pelas relações dos personagens, mas também pelo mistério que envolvia a tal “borboleta”. A trama mostra como os irmãos Kang-tae e Sang-tae vivem suas vidas após o assassinato da mãe deles. Sang-tae, quando ainda era jovem, foi quem presenciou a morte de sua progenitora, porém por conta de sua síndrome e também pelo trauma sofrido, não consegue dizer para a polícia quem era o assassino, apenas falar que a “borboleta” era perigosa e que iria atrás dele caso contasse o que de fato aconteceu.

Resenha: It's Ok to Not Be Ok

Por conta do medo, Kang-tae decide viver uma vida itinerante com seu irmão mais velho, a fim de não serem encontrados pela tal “borboleta”. Essa vida causa muito sofrimento para os dois, pois sempre têm dificuldade de se estabelecer, fora que é cansativo sempre estar à procura de emprego e casa para morar. 

Em um determinado momento, Kang-tae resolve voltar à sua cidade natal e começa a trabalhar na clínica psiquiátrica chamada “Ok”, junto com sua amiga de infância Nam Joo-ri (Park Gyu-young), esta que por sua vez é uma das enfermeiras da clínica e apaixonada por Kang-tae.

Resenha: It's Ok to Not Be Ok

Nesse meio tempo, Sang-tae começa a trabalhar escondido na pizzaria de Jo Jae-soo (Kang Ki-doong), melhor amigo dos dois irmãos e que sempre os acompanha nas constantes mudanças. O segredo sobre o trabalho se dá pela superproteção de Kang-tae para com seu irmão por conta de seu transtorno e, também, por um acontecimento fatídico do passado que marcou a vida de ambos.

Resenha: It's Ok to Not Be Ok

Paralelo à história desses personagens, há Ko Moon-young, uma famosa escritora de livros infanto-juvenis, conhecida por seu temperamento forte e sua forma fria de lidar com as pessoas. Colecionadora de diversos escândalos e barracos, Moon-young é a causadora da preocupação dos funcionários da editora de seus livros, principalmente de seu agente literário, Lee Sang-in (Kim Joo-hun). Este, um homem interesseiro e bastante ríspido com sua secretária Yoo Seung-jae (Park Jin-joo), acaba tornando-se o alívio cômico do k-drama, por conta de suas peripécias e tentativas de salvar a carreira de Moon-young quando a mesma nem se importa com o que dizem dela.

Resenha: It's Ok to Not Be Ok

Após uma grave acusação contra a autora, esta resolve se isolar do mundo e volta para sua antiga casa, localizada na mesma cidade na qual Kang-tae e Sang-tae atualmente moram. Desesperado, seu agente literário e sua secretária vão atrás de Moon-young para tentar convencê-la a voltar a escrever, mas é a partir daí que todos os personagens citados se encontram e suas histórias começam a se entrelaçar.

Particularmente, o romance mal se destacou para mim, mesmo eu amando o casal e torcendo demais para que eles sejam felizes juntos. Sinto que a história de “It’s Okay to Not Be Okay” vai muito além do relacionamento romântico por si só, mas de como os relacionamentos, de uma forma geral, podem se construir saudáveis para que um apoie o outro. Ambos possuíam seus traumas e suas particularidades e, no final, foram capazes de se ajudar e serem o porto seguro um do outro, construindo uma verdadeira família com Sang-tae.

Resenha: It's Ok to Not Be Ok

Moon Kang-tae, como protagonista, cresceu achando que era sozinho e que seu único objetivo na vida era cuidar de seu irmão mais velho, mas não enxergava que ele mesmo possuía muitas pessoas que cuidavam dele e o amavam. Com Moon-young não foi diferente, pois passou sua infância sem afeto e carinho dos pais, cresceu sem saber o que era o amor e também sem saber que podia amar e ser amada.

Além do relacionamento dos dois para com os outros personagens, me cativou muito ver as interações dentro da clínica psiquiátrica e os transtornos que os personagens internados tentam superar. Particularmente, esses temas sempre mexem muito comigo e me sensibilizam, então sou suspeita para falar. Porém, acredito muito na importância que abordar essa temática tem, pois transtorno mental e deficiências, de um modo geral, ainda são vistos com preconceito pela sociedade e considerados tabus.

O ANTICAPACITISMO

Para entender a importância do tema, como citado anteriormente, é preciso a compreensão do que é o capacitismo. Ele nada mais é que toda e qualquer discriminação para com a pessoa com deficiência e/ou algum tipo de transtorno, seja ele físico ou mental. É um tema que, só recentemente, vejo sendo tratado com sua devida importância e relevância, mas apenas isso ainda não é suficiente. 

A falta de inclusão, por exemplo, é um ato capacitista que conseguimos perceber diariamente, mas muitas falas e pensamentos que temos também perpetuam esse tipo de preconceito, sem nem nos darmos conta.

No drama, um exemplo de ato capacitista, e que mexeu bastante comigo, foi o de Kang-tae com seu próprio irmão mais velho. A princípio a gente pensa: “ah, mas como ele discriminou o irmão? Ele cuidou dele a vida inteira, protege ele de tudo”. E é justamente esse tipo de pensamento que muitas pessoas têm: achar que pessoas com deficiência ou transtorno precisam da nossa supervisão e proteção 24 horas por dia, que elas são frágeis e não conseguem “se virar” sozinhas, que não são capazes de construir uma vida por si só. 

Na cena em que os três estão viajando na vã e Sang-tae recebe uma proposta de emprego, Kang-tae finalmente percebe que o tempo todo privava seu irmão de viver sua vida por conta própria, sem nem perceber. É ali que, com muita emoção, ele se desprende dessa preocupação e o deixa livre e independente. O protagonista desconstruiu seus pensamentos capacitistas quando permitiu que seu irmão seguisse sua vida profissional, entrando na lista das cenas que eu mais amei.

Resenha: It's Ok to Not Be Ok

Por conta disso, precisamos falar sobre o quanto “It’s Okay to Not Be Okay” é um favor para aumentar a inclusão de pessoas com deficiência, principalmente na Coreia do Sul. O país é um dos maiores em incidência de abandono de bebês e, no documentário intitulado “Baby Box”, fica bem evidente que grande parte desse abandono se dá com crianças que nascem com algum tipo de deficiência. Esta negligência não vem exclusivamente da Coreia e, infelizmente, se faz presente no mundo inteiro.

O documentário em questão mostra uma instituição, fundada pelo pastor Lee Jong Rak, que criou esse local para que as crianças abandonadas tenham uma segunda chance para viver. O nome do documentário, traduzido para o português, significa “caixa de bebê”. O nome é autoexplicativo e remete à caixa que esse senhor construiu na porta da instituição, para que as pessoas colocassem o bebê não desejado ali.

A nível de curiosidade, o famoso diretor japonês Hirokazu Koreeda (Assunto de Família; Pais e Filhos), irá dirigir um filme já intitulado “Broker” e afirma que a história gira em torno das “baby boxes” e esses abandonos. O cast conta com, nada mais, nada menos que Bae Doona (Kingdom; Stranger), Song Kang-ho (Parasita; O Motorista de Táxi) e Kang Dong-won (Invasão Zumbi: Península). Pelo elenco e pela história, o filme promete ser muito interessante e emocionante.

Bem, e o que o k-drama em questão tem a ver com tudo isso? Como exemplificado, mesmo a Coreia sendo uma das maiores potências mundiais e um país que constantemente inova e renova sua cultura, ainda há um tradicionalismo muito forte e marcante, principalmente em relação à imagem. Conto nos dedos das mãos representações de pessoas com deficiência intelectual/mental que não tenham sido retratadas de forma pejorativa.

O drama “That’s Ok, It’s Love” é uma das exceções onde vemos a sensibilidade de momentos que mostram o cuidado que a protagonista tem com seu pai, este com Demência. Além disso, o protagonista — interpretado por Jo In-sung e Do Kyung-soo (D.O. do Exo) — também tem um transtorno mental e o drama nos presenteia com um plot twist de deixar o coração quentinho e ao mesmo tempo partido pelo sofrimento que ele precisa enfrentar sozinho durante muito tempo.

Resenha: It's Ok to Not Be Ok | Netflix
Resenha: It's Ok to Not Be Ok | Netflix
Resenha: It's Ok to Not Be Ok
Resenha: It's Ok to Not Be Ok

Outro exemplo de k-drama que retrata isso de forma um pouco mais positiva é em “Just Between Lovers”, com a personagem secundária interpretada por Park Hee Bon, melhor amiga da protagonista. O drama retrata, na minha opinião, de forma bastante natural o fato de a personagem ser cadeirante, e mostra também os questionamentos que essas pessoas podem vir a sentir quanto à sua relação amorosa, por não se acharem atraentes o suficiente para conquistar alguém. A personagem em questão possui muita insegurança com sua aparência física, pois mesmo sendo uma autora de webtoon de muito sucesso, nunca revelou sua identidade. Ao longo da história ela se desconstrói do capacitismo da sociedade e decide se permitir viver um romance e também sua carreira.

Em “It’s Okay to Not Be Okay” me faltam palavras para descrever o que foi a atuação do ator Oh Jung-se, que interpretou Sang-tae. Para além do exterior e do estranhamento que a sociedade possui para com pessoas com deficiência física, há também o descaso com pessoas com deficiência e transtorno mental. O drama inteiro gira em torno da clínica psiquiatra que Kang-tae trabalha como cuidador, profissão que escolheu para cuidar de seu irmão mais velho, este com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A representação e a importância que esse personagem teve, foi para além das telas. Durante as gravações, o violinista Bae Bum-joo, um dos fãs do personagem, quis muito encontrar o “Sang-tae” para consolá-lo, segundo sua irmã em um post no Instagram. Bum-jo tem deficiência intelectual e pôde conhecer e passar um dia inteirinho com o ator Jung-se em um parque de diversões.

https://www.instagram.com/p/CDDVmnGHeXp/

De um modo geral, não é uma produção televisiva ou cinematográfica com representatividades que irá acabar com os preconceitos do mundo, mas acredito que o k-drama pode sim abrir um pouco mais a mente e os olhos das pessoas para questões tão pertinentes, porém pouco abordadas. Os resultados positivos que “It’s Okay to Not Be Okay” teve foi o que fizeram o drama ser tão especial para mim.