O qipao (mandarim), ou cheongsam (cantonês), é um vestido ajustado ao corpo que possui botões na transversal, gola redonda ao redor do pescoço e uma fenda nas pernas, sendo conhecido como uma vestimenta típica chinesa. Há três teorias a respeito de sua origem, e a mais difundida é a de sua introdução pelos manchus, os fundadores da dinastia Qing (1644-1912), tendo seu nome em referência ao qízhuāng (旗装), o vestido-bandeira utilizado por eles. Já a segunda hipótese a respeito dessa vestimenta tão emblemática é a de que seu surgimento se deu entre a dinastia Zhou Ocidental (1046-771 AEC) e um tempo anterior à dinastia Qin (221-206 AEC). Por fim, na terceira teoria, há uma ideia de que o qipao veio de uma combinação entre os estilos do Oriente e do Ocidente durante a época da República, iniciada em 1912.

Ainda não foi batido o martelo sobre qual a teoria correta, mas um fato é que o qipao se popularizou durante o ano de 1930, conquistando a juventude do país todo, principalmente em Xangai. Nesse contexto, o qipao ganhou um novo modelo, influenciado pelo Ocidente, que mudava seu caimento para um formato mais justo acompanhado de um comprimento menor. Entretanto, com a crise econômica em Xangai, a peça passou a serum artigo de luxo e seu uso começou a ser abandonado.

Com a migração dos alfaiates para Hong Kong, a popularidade do qipao voltou e explodiu na cidade, em 1960, evoluindo ainda mais em suas modificações e ousadia, que resultou no miniqipao, um equivalente a minissaia. É nesse período em que se passa o emblemático filme de Wong Kar-Wai, “Amor à Flor da Pele” (2000). Nessa trama acompanhamos o surgimento de um romance permeado por melancolia e improbabilidades, no entanto, um dos grandes destaques do filme está nos 20 qipaos usados pela protagonista.

O desenvolvimento principal se dá quando os vizinhos Su Li-zhen, ou Sra. Chan, (Maggie Cheung) e Chow Mo-wan (Tony Leung) descobrem o affair entre seus respectivos parceiros. A partir disso, eles começam a passar mais tempo juntos na tentativa de descobrir as razões por trás da traição. Conforme acompanhamos o desenrolar da história, somos envolvidos pela melancolia, as músicas suaves, as misturas de cores e os qipaos deslumbrantes usados por Su, que a deixam etérea em cada cena.

Os qipaos de Su Li-zhen

O modelo utilizado no filme é o qipao “revisado”, que se refere ao formato com zíper, ao invés do tradicional pankou (botões transversais que são feitos de nó chinês, com variados formatos), muito popular na década de 60. Por outro lado, a vestimenta possui o mesmo corte e estilo, com uma grande variedade de tecidos e adornos. Os qipaos usados por Su possuem um recorte fino, com uma bainha abaixo do joelho e duas fendas laterais, podendo ser com ou sem mangas e a gola alta e rígida, que fica próxima ao rosto.

Pankou floral

Entre os mais marcantes, temos o qipao com listras horizontais em preto e branco, que aparece em uma das cenas mais memoráveis do filme. Esse é o modelo usado pela Sra. Chan quando encontra Chow pela segunda vez, passando um pelo outro na escada escura que vai em direção à barraca de noodles, enquanto a chuva cai nos espaços vazios deixados por eles. Os tons escuros e frios da roupa se misturam à cena, dando um tom sentimental de forma impecável.

Outro destaque vai para o qipao florido usado na abertura do filme, que mistura diferentes cores. Esse modelo combina o fundo azul com as flores em tons de rosa,  destaques amarelos nas pétalas e folhas verdes, sendo uma escolha bem ousada no contraste de cores, destacando a personagem nos cenários em que é utilizado.

E é claro que não poderíamos deixar de falar do marcante qipao vermelho. Ele é o 13° qipao usado no filme e aparece de forma breve. No entanto, a cena em que é mostrado é extremamente climática em sua construção, quando Su e Chow estão juntos em um quarto de hotel escarlate e florido, incapazes de dar sequência ao romance. Vemos apenas a gola da roupa, que deixa a cena cheia de mistério, porém é possível visualizá-la melhor na versão com cortes do diretor.

Percebemos a sensualidade que o diretor atribui a cena, usando do vermelho não só no qipao, mas também em detalhes como as unhas e o batom de Su e partes do quarto em que os personagens se encontram. Além disso, é possível estabelecer uma certa referência ao amor que tenta florescer em meio às impossibilidades e desejos de ambos.

Dessa forma, o qipao desenvolve um papel importante durante toda a trajetória do filme, quase como um personagem, expressando a herança cultural chinesa. Através dessa produção vemos a tendência e a modificação do qipao nos anos 60, mas ainda mantendo a tradição muito viva com seus recortes e detalhes. Assim, o filme ficou muito destacado não só pela trama melancólica que desenvolve, mas também se popularizou pelo desfile esplêndido dos qipaos da etérea Su Li-zhen, ganhando o coração dos amantes de cinema e dos apaixonados por moda.

Bem elegante e conceitual, né? Maggie Cheung entregou tudo e mais um pouco nesse aqui!