A temática de sonhos sempre interessou e cativou a humanidade. Dada sua natureza enigmática, variadas culturas buscam há séculos explicações e significados para as derivações oníricas que nos visitam diuturnamente durante nossas vidas.

Enquanto existem paradigmas científicos expandindo constantemente os limites de nossos conhecimentos humanos, vertentes místicas e esotéricas visam muitas vezes transcender tais limites e buscar orientações metafísicas através destas representações.

Independentemente de seu posicionamento sobre a questão, o fenômeno de sonhos lúcidos nos acompanha, e eu como sonhador lúcido desde a infância, tive interesse pessoal pela obra “Sonhos Lúcidos” (Lucid Dream, 2017), dirigida pelo estreante Kim Joon-sung, que assume também experimentar este fenômeno e com a influência do sucesso ocidental “A Origem” (Inception, 2010), levou junto com a Rod Pictures este filme a ser produzido.

A obra que foi distribuída digitalmente pela Netflix (recebendo oportunamente a label “Netflix Original”) apresenta o drama do jornalista Dae-ho, interpretado por Go Soo, em busca de seu filho sequestrado em um movimentado parque de diversões. Ao deparar-se com uma situação de pouco sucesso dos investigadores, Dae-ho passa a buscar meios menos ortodoxos para solucionar a tragédia que o perseguiu nos últimos anos e nesta jornada, se depara com o conceito de Sonhos Lúcidos.

Com o apoio da médica So-Hyun (Kang Hye-jung) e um misterioso homem incógnito (interpretado pelo idol Park Yoochun, JYJ), Go Soo entra em um mundo experimental, buscando pistas e informações do passado, tanto em sua própria mente quanto na de outros personagens, através dos sonhos.

 

O círculo principal de personagens é completado pelo veterano policial Bang-seop (Sol Kyung-gu), peça fundamental na trama, que auxilia de variadas formas Go Soo durante as investigações iniciais, e de forma definitiva na conclusão da trama.

 

A obra que apresentou um orçamento de US$ 5 milhões, não teve sucesso comercial a princípio, faturando menos de U$ 1 milhão.
Apesar da trama ter características de um romance de ficção científica atual de roteiro de potencial, a pouca experiência cinematográfica do diretor parece ser sentida.

As sequências de ação e suspense parecem em sua quase totalidade ausentes de injuntividade, fator que seria essencial nesta trama. Senti em alguns momentos o desperdício de oportunidades, por exemplo, quando o homem misterioso salva Dae-ho em uma sequência de sonho, que é abruptamente encerrada sem clímax de uma cena de um combate onírico ou cena mais dinâmica.

 

É importante destacar que o funcionamento de uma trama como esta depende muito da empatia que o espectador sente pelo protagonista, considerando o drama da perda do filho.
O ator Go Soo certamente mostra-se empenhado no filme, há de se destacar sem dúvida o fato de ter ganho aproximadamente 10kgs e posteriormente perde-los, para demonstrar o sofrimento de Dae-ho, e a determinação de seu personagem é demonstrada muito mais através das ações e atitudes desesperadas, do que atuação dramática de destaque. Tal decisão interpretativa parece ter sido intencional.

 

Enquanto a já premiada atriz Kang Hye-jung (Oldboy, Welcome to Dongmakgol) aparece de forma decepcionante com destaque e atuação abaixo de sua média, dois atores roubam a cena.

Sol Kyung-gu ao interpretar o fundamental personagem policial, parece trazer maior dramaticidade e complexidade ao seu personagem, que apresenta-se dúbio de forma trágica. Ao percebemos suas resoluções e ao questionarmos sua moral, não podemos deixar de ter algum semblante de simpatia por um homem que apresenta-se apenas como um outro lado da mesma moeda que o protagonista representa, em seu amor pela filha.

O idol Park Yoochun surpreende em suas aparições, e nesse sentido o ator é bem sucedido, apresentando um personagem que poderia inclusive mostrar-se mais interessante para a trama do que o próprio protagonista, caso esse fosse o rumo do filme. Fiquei interessado em ver mais do misterioso personagem.

Diferente de sua contraparte inspiradora “A Origem”, “Sonhos Lúcidos” parece demonstrar uma falta de ambição na execução daquele que seria seu principal artifício: os sonhos. Enquanto pode-se entender a questão de um orçamento mínimo em comparação com a produção Hollywoodiana, os sonhos na película coreana resumem-se a recapitulações memoriais dos personagens com poucas derivações ou surrealidade. Se esperaria um empenho maior nesse sentido, especialmente considerando que o diretor relata ser sonhador lúcido.

 

 

Apesar de tantos percalços, o filme é um entretenimento mediano. Existem alguns momentos de alívio cômico e a sequência final é onde parece que a produção da trama utilizou grande parte dos recursos gráficos, então há certa surrealidade conceitual. O final da trama mostra uma vez mais grande inspiração em “A Origem”, seguindo uma linha bastante similar sobre o dilema de mundo real x mundo lúdico. Considerando que o título encontra-se disponível no catálogo da Netflix, caso seja cliente do serviço e busque algo para passar o tempo, “Sonhos Lúcidos” pode ser interessante. Apenas procure essa obra sem expectativas.

                                                                                                                        (Review de autoria de Satir)