Muito provavelmente você ouviu uma música pela primeira vez e teve a sensação de já ter escutado ela antes. A explicação disso não é nenhum mistério, como um déjà vu, mas é oriunda da complexidade da indústria musical, suas funcionalidades e possibilidades.

O QUE SÃO?

Uma dessas funcionalidades que nos permite fazer uma conexão musical com outra é o sample. Explicando melhor, o sample é uma “amostra” de sons já pré-existentes, o qual o artista encaixa em uma nova produção musical. Esses sons podem ser trechos de músicas, barulhos aleatórios da rua, algum discurso, uma melodia, etc. A indústria da música é arte e, para a arte, não há limites para explorar combinações e ritmos diferentes.

O início dessa inserção vem de décadas atrás com o surgimento das discotecas e de DJs e até hoje essa técnica é utilizada. Porém, conforme a quantidade de samples foi aumentando, surgiram também os casos de plágio, pois os artistas originais não eram informados sobre a utilização de suas criações em outra música.

Mas claro que sempre há o lado bom da coisa e é o que faz o sample ser tão importante, principalmente para a música pop. Sua função é justamente remeter ao ouvinte uma sensação de reconhecimento. Então, quando um artista usa algum sample, muitas vezes é de uma outra música já bombada de outra época ou para dar credibilidade a um produtor ainda desconhecido.

SAMPLES NO K-POP

SEO TAIJI AND BOYS – AC/DC

Como o K-Pop por si só já é um combo de ritmos e músicas chiclete, o estilo musical usa samples desde seus primórdios como Seo Taiji and Boys “sampleando” “Back in Black” da banda de rock AC/DC em “Rock ‘n Roll Dance”. O exemplo de referência fica evidente com um dos riffs de guitarra mais famosos do mundo, em uma música do primeiro grupo de K-Pop.

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IVE – GLORIA GAYNOR

Atualmente, o mais novo sucesso do girl group IVE mostrou o exemplo ideal do uso de um ótimo sample, criando o arranjo perfeito para grudar na cabeça e não sair mais. O sucesso de “After Like” já atingiu a marca de +77M – e contando – de visualizações e contém a melodia de “I Will Survive” de Gloria Gaynor, hit vencedor do Grammy de Melhor Gravação do Disco em 1980.

A canção faz sucesso até os dias atuais, estando na lista das 500 músicas mais ouvidas de todos os tempos. Não é para tanto que a música-oficial-dos-finais-de-festa encaixou perfeitamente em um ritmo pop mais atual.

A sagacidade dos produtores em colocar um marco do pop super dançante e reconhecível por qualquer idade foi tão proposital quanto genial para fazer “After Like” um verdadeiro hit.

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BLACKPINK – RIHANNA – 50 CENT – THE NOTORIOUS B.I.G.

O Blackpink e seu tão aguardado comeback “Pink Venom”, com +257M de visualizações – e contando -, é uma música que descreve bastante o conceito do girl group. Com hits cheios de atitude, batidas pesadas e muito hip hop, a mais nova música do grupo tem citações de trechos de três cantores famosos e inspirações do rap e pop americano: 50 Cent, Rihanna e The Notorious B.I.G. .

Os trechos em questão não são fáceis de reconhecer no decorrer da música, mas quando se percebe, conseguimos captar o objetivo desse encaixe. Os três artistas escolhidos pelos produtores de Pink Venom não estão lá à toa. Eles representam bastante os gêneros que mais bombaram durante os anos 00’ nos Estados Unidos e, consequentemente, no mundo.

Por mais que não sejam músicas que consumimos com regularidade e que não fazem tanto sucesso atualmente, os nomes carregados por trás delas são história e representatividade no hip hop, rap e pop. Além disso, elas também caracterizam a vibe que o Blackpink transmite.

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AGUST D – JAMES BROWN

Um dos rappers mais famosos da indústria do K-pop, e também ótimo produtor, não podia ficar de fora do uso inteligente dos samples para compor suas músicas. Em seu debut com a mixtape “Agust D”, Suga do BTS – ou melhor, Agust D – arriscou um conceito bem diferente, porém não tão distante assim do hip hop.

Na década de 60, bem no auge da reivindicação dos direitos civis da comunidade negra dos Estados Unidos, James Brown fez seu nome se eternizar na indústria musical. Um dos disseminadores do gênero funk, o cantor era ativista, participava das disputas pelas políticas raciais da época e a letra de suas músicas também representavam bastante a luta pelo antirracismo.

Posteriormente, a poesia ritmada e cantada do hip hop veio a surgir através das mesmas lutas políticas, derivada do funk estadunidense, e é aí que Agust D acerta ao colocar a grande referência de “It’s Man’s Man’s World” em sua canção.

A letra em si não é a das melhores do cantor James Brown, que por sua vez também esteve envolvido em diversas controvérsias, mas não podemos negar que a citação antecedida da letra afrontosa de “Agust D” ganha peso e, possivelmente, um ressignificado.

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EXO – DAFT PUNK – LABRINTH

Já que estamos falando de grandes nomes do K-pop, um dos hits que marcou a 3ª geração e que também faz uso dos samples é “Overdose” do Exo. O MV da música possui um conceito sci-fi e a música também conta com algumas composições que se assemelham a uma voz robótica. Nesses encaixes é que podemos notar a presença da famosíssima “Harder, Better, Faster, Stronger” da dupla de música eletrônica Daft Punk.

Referência dos anos 00’, o single faz parte do filme “Interstella 5555: the 5tory of the 5ecret 5tar 5ystem”, que apresenta o álbum dos artistas como trilha sonora. Anos mais tarde o rapper Kanye West fez uma versão da mesma música, intitulada “Stronger”, ganhando o Grammy por Melhor Gravação Dance de 2009.

O fato do Daft Punk ter todo o conceito voltado para robôs, espaço e tecnologia, conversam com a temática de “Overdose” e com a proposta da música.

Outro sample usado no hit do Exo que também encaixa muito bem no ritmo é “Earthquake” do cantor e compositor Labrinth. Hoje em dia ele possui uma vibe completamente diferente, misturando o R&B com a eletrônica, mas usando a segunda de um jeito mais sutil.

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Samples no K-pop

G DRAGON – DAFT PUNK

Que o Daft Punk só fazia hit não é novidade, contudo uma junção que a princípio é estranha, mas soou perfeita é “Divina Commedia” de G-Dragon com “Veridis Quo” da dupla.

Particularmente, a b-side dos “homens com capacete de robô” é uma das minhas favoritas do duo e encaixou muito bem com a produção de G-Dragon, trazendo um tom melancólico para a canção. A Outro do álbum, intitulado Kwon Ji Yong, fala um pouco sobre o caminho que o artista percorreu durante sua carreira – o verdadeiro “dias de luta, dias de glória”. 

O fato da música se chamar Divina Commedia faz referência ao livro de Dante Alighieri, de mesmo nome, um poema bastante complexo, mas que basicamente conta a história de dois homens e suas jornadas pelo Inferno, Purgatório e Paraíso.

Minha pobre interpretação me leva a crer que G-Dragon faz uma metáfora – um tanto quanto exagerada -, comparando sua trajetória com os caminhos difíceis e, posteriormente, gratificantes, dos dois personagens do poema.

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Samples no K-pop

MÚSICAS CLÁSSICAS

Não é só do pop e das canções que se faz um bom sample. Muitas músicas também conseguem se tornar marcantes com o encaixe de clássicos e instrumentais, unindo perfeitamente dois estilos musicais que, a princípio, parecem não combinar.

Uma delas é “Fantasy” do Vixx que possui um ar sombrio e melancólico. O MV em si é bastante conceitual e o sample de “Moonlight Sonata” do genial Ludwig Van Beethoven conseguiu intensificar a ideia de fantasia e mistério.

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O compositor também se faz presente em “Hands Up” do girl group Cherry Bullet com “Für Elise“. Diferente do boy group, a inserção da música clássica, neste caso, não teve o objetivo de reforçar ou criar conceitos, mas sim o de ousar, tornando a junção excêntrica uma ótima combinação para não desgrudar da cabeça.

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A AKMU, conhecida por melodias emocionantes nas vozes mais suaves do K-pop, não podia faltar nessa lista. “Last Goodbye” é uma das minhas músicas favoritas da dupla e compõe seu arranjo instrumental com “Cânone em Ré maior” do compositor Johann Pachelbel. Por mais que seu nome não seja tão reconhecido quanto o de seu irmão mais novo, Johann Sebastian Bach, essa peça é bastante famosa e você, muito possivelmente, já a ouviu em algum casamento ou filme.

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Samples no K-pop

JACKSON WANG – JANE TAYLOR

Essa lista poderia ser gigantesca, mas para fechar com chave de ouro: por último, mas não menos importante, também percebemos um sample bastante diferentão em “Blow” de Jackson Wang. O solista vem fazendo bastante sucesso ao se aventurar em músicas que mostram um lado de sua carreira que não conhecíamos tanto. 

Essa canção, em questão, possui uma letra provocativa e sexy e, no MV, seu conceito é uma mistura de baile do século XIX com Projeto X. Assim como “Pink Venom” (citada acima), que possui trechos discretos que são sampleados, Jackson se arrisca ao cantar a música de ninar “Twinkle, Twinkle, Little Star” da poeta Jane Taylor.

Definitivamente, é uma junção divertida pelo contraste das duas canções e o objetivo oposto das mesmas: uma faz dormir, enquanto a outra desperta e anima o ouvinte.

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