É hora de quebrar o sistema! De uma aparente estudante de moda para uma autora e ilustradora de sucesso, vamos contar um pouco sobre Ai Yazawa, autora de Nana e Paradise Kiss, e sua relação com a renomada e ativista estilista britânica Vivienne Westwood (1941-2022).
Quem foi Vivienne Westwood?
Vivienne Isabel Swire, mais conhecida como Vivienne Westwood, foi uma estilista britânica que nasceu no condado de Derbyshire em 1941. Depois de trabalhar em fábricas e ser professora do fundamental, Vivienne resolveu seguir seu grande sonho e abriu a loja de roupas Let It Rock (depois foi renomeado como Sex, em 1970) em King’s Road, Londres, em parceria com seu marido e, depois empresário, Malcolm McLaren.
Nesta loja os clientes podiam encontrar roupas de estilo alternativo que misturavam moda, sexualidade e muitas quebras de padrões de gênero. E foi nessa humilde lojinha que o visual da banda de punk-rock Sex Pistols também surgiu, banda esta que também é citada por Ai Yazawa no mangá Nana.
Com uma personalidade que não tinha medo de questionar o sistema e as normas da sociedade, a estilista jamais foi submissa ou omitiu suas opiniões em determinadas situações. Inclusive, recebeu o título da própria Rainha Elizabeth II de: Dama do Império Britânico pelos serviços ao cenário da moda no país.
Nos anos 70 o mundo da moda começou a sofrer bastante devido as roupas começarem a ser produzidas em grandes fábricas e de maneira muito mais barata, os estilistas da época começaram então a olhar mais para as tendências e gostos que as ruas mostravam para eles do que eles criando algo inovador ou do zero para lançar as ruas.
Porém, claramente Vivienne não seguiria esse padrão e se tornou a pioneira da moda punk independente, conseguindo materializar em suas roupas seus questionamentos, causas, críticas e seu pensamento anticapitalista.
Curiosidade: No Brasil, Vivienne fez uma parceria com a Melissa fazendo sapatos com a marca brasileira! A Melissa vende sapatos de Vivienne Westwood até os dias atuais.
Ai Yazawa e seu amor por Vivienne Westwood
Ai Yazawa, autora de obras famosas como Nana, Paradise Kiss e Princess Ai, é uma ex-estudante de moda que largou a faculdade para tentar sua carreira como ilustradora. Dando claramente bastante certo, suas obras atingiram nível global de forma gradativa e, o que muitos de seus leitores não sabem, é que mesmo tendo largado a faculdade de moda, Yazawa jamais largou a moda em si.
Todas suas obras fazem apologia ou tem uma relação forte com algo relacionado aos tecidos e as passarelas, como em Paradise Kiss que a protagonista literalmente é uma modelo. Mas em Nana, que é o nosso foco neste texto, as coisas são mais intensas. Aqui, Yazawa junta as subculturas de Harajuku dos anos 90 e 2000 mais o pioneirismo punk de Vivienne Westwood para realçar e manifestar as emoções de seus personagens.
No mangá e anime de Nana duas meninas de recém feitos 20 anos e com o mesmo nome se encontram num trem para Tóquio com o objetivo de mudar o rumo de suas vidas. Para incrementar ainda mais a ideia de que o destino interliga essas duas, ambas também acabam dividindo um apartamento e se envolvem completamente em apoiar uma a outra em suas vidas tanto pessoais quanto em suas ambições.
Nana Osaki tem como sonho se tornar uma cantora séria de punk-rock com sua banda Blast e Nana Komatsu quer desesperadamente descobrir quem ela é de verdade sem se apoiar ou buscar validação sobre sua personalidade através de seus relacionamentos românticos.
Sendo uma obra que marca uma grande quebra de estigmas e tabus no Japão, Nana também marca bastante a subcultura da moda japonesa no início dos anos 2000 quando vemos como o punk de Vivienne retratado em Nana se instala também nas modas de Harajuku como os gêneros de roupa Mori, Kawaii, Gyaru, Y2K, Goth e muitos outros! E quem vai mostrar todas essas tendências é Nana Osaki e sua banda
Nana e Black Stones: suas referências a Westwood
Nana e sua banda por serem uma banda de punk-rock claramente iriam também retratar isso em suas vestimentas, mostrando a rebeldia, independência e irreverência do movimento e suas personalidades.
Osaki mesmo tendo essa fachada mais séria e dura tem seu lado artístico extremamente aflorado e usa isso para se expressar em suas roupas e música, como o abandono, a dependência emocional e a ansiedade que ela enfrenta tanto na infância quanto na vida adulta. É como se as roupas dela fossem sua armadura mas também sua maneira de falar: “eu vou lutar contra toda essa merda”.
Além das questões da própria personagem, é notório também como a obra traz essa quebra em mangás de gênero shoujo e josei de ter personagens femininas que são retratadas de forma fofa ou de um jeito coquette. Aqui, Nana vai quebrar mais esse estigma e mostrar que garotas também podem ser bad girls.
Algumas das roupas usadas por Nana da coleção de Vivienne Westwood que foram pontuadas por uma revista local japonesa.
Ademais, também outro personagem que usa e abusa do estilo punk de Vivienne Westwood como forma de expressão e libertação é Okazaki Shinichi, ou apenas Shin para os íntimos (ele é muito meu filho, okay?)
Mostrando que não está aqui para ser um conformado com os padrões da sociedade e do sistema, o baixista Shin faz uma mudança crescente durante a obra indo de um garoto ordinário do ensino médio que quer se encaixar no molde de sua família herdeira para enfim se rebelar com aquela realidade que nunca lhe agradou e construir seus próprios gostos e personalidade.
Shin também é um personagem secundário bastante complexo já que ele se junta a banda de Nana, o Blast (posteriormente Black Stones), aos 15 anos e começa a vender seu corpo para mulheres da alta sociedade para conseguir dinheiro para se manter de forma independente sem precisar mais ter contato com seu pai que não gosta do filho.
Mesmo sendo menor de idade no início e meio da obra, Shin é um personagem bastante maduro para sua idade o que é bom e ruim em algumas situações e ele logo engata num romance também com a banda “inimiga” do Blast, onde o namorado de Nana está, que é a vocalista Reira, do Trapnest.
Enquanto Osaki traz a coleção Anglomania (1993-1994), Shin traz a coleção Bondage com seus polêmicos designs cheios de críticas políticas (1971-1974).
O Legado Inegável de Ai Yazawa
Nana é uma obra crua e realista que mesmo através de uma sociedade injusta e, muitas das vezes, primitiva, sempre haverão aqueles que farão a arte ressoar e serão questionadores a ponto de trazerem reinvenções fora do comum.
A obra e as vestimentas dos personagens também retratam a busca intensa de encontrar sua própria identidade, o seu ideal e ser amado por isso. Mas também contesta isso, mostrando que a imperfeição também é o seu eu ideal.
Mesmo que Nana Osaki e Nana Komatsu tenham esse vínculo que transcende tudo, e confesso também que em certo momento claramente se torna um sentimento romântico, suas vivências são bastante divergentes e seus caminhos também vão aos poucos se afastando da mesma maneira da qual parecia que elas tinham que estar juntas.
Nana é uma amostra grátis, realística e dolorosa sobre a solidão e o desespero dos 20 e poucos anos, onde temos que nos tornar adultos de forma abrupta em um momento onde todes parecem estar focados nessa tentativa de decidir quem devemos ser de forma rápida e objetiva.