“Mickey 17” junta Sci-Fi e romance em trama que peca na execução
Depois do sucesso avassalador de “Parasita” (2019), que rendeu ao filme e ao diretor Bong Joon Ho quatro estatuetas do Oscar 2020, entre elas de Melhor filme e Melhor diretor, havia uma grande expectativa sobre o próximo trabalho do cineasta sul-coreano. No início do mês foi lançado mundialmente seu trabalho mais recente, “Mickey 17”, longa de 136 minutos que traz questões como descartabilidade humana, preservação da fauna, escapismo por drogas e fanatismo religioso em uma trama que permeia, principalmente, entre os gêneros ficção ciêntífica e romance.
O filme com classificação indicativa de 16 anos foi baseado no livro “Mickey 7”, de Edward Ashton, e traz um futuro distópico de 2058, no qual é possível fazer clones de seres humanos e povoar outros planetas. Então, Mickey Barnes (Robert Pattinson) e Timo (Steven Yeun), que devem muito dinheiro para agiotas, resolvem deixar a Terra em direção ao planeta Nilfheim, como voluntários em uma missão de povoamento.
Entretanto, diferente de Timo que virou piloto, Mickey é considerado um “descartável”, ou seja, um boneco dummy de teste para qualquer testagem que a tripulação precise fazer para sobreviver no novo planeta. Durante sua estadia na nave, ele cruza caminho com outros personagens, como a agente de segurança Nasha (Naomie Ackie), o casal de políticos e líderes religiosos Kenneth Marshall (Mark Ruffalo) e Ylfa Marshall (Toni Collette) e Mickey 18, uma de suas versões.
(foto: reprodução)
Então, agora que você já sabe um pouco da sinopse, irei fazer alguns apontamentos sem spoilers do porquê acredito que esse filme podia ter sido melhor realizado, já que Bong Joon Ho é um diretor e um roteirista primoroso e sempre vou me animar para ver seus lançamentos.
Primeiro, acredito que esse filme tem uma estutrura bem parecida com dois de seus trabalhos antigos como “Expresso do Amanhã” (2013), que também é adaptação de um livro Sci-Fi, e “Okja”(2017), sucesso da Netflix. Talvez, o fato da história se passar num mesmo ambiente cercado pela neve, ter diferentes castas e focar na relação entre humano e criaturas fantásticas não ajudou. Parece mais uma reciclagem de recursos narrativos, ao invés de uma assinatura do diretor.
Na minha opinião, Bong Joon Ho sabe aplicar melhor esses dilemas socioeconomicos em um contexto moderno e não fantasioso, como em “Parasita” (2019) e em “Memórias de um Assassino” (2003), pois consegue transitar melhor entre momentos cômicos, dramáticos ou de terror. Claro, é preciso considerar que ambos os filmes são feitos baseados, principalmente, em costumes da Coreia, algo que pode não agradar o grande público que não tem familiaridade nem com o idioma e nem com a cultura. Então, provavelmente, a solução encontrada pelo diretor foi apostar no arroz com feijão, que vende no Ocidente, o que não necessariamente funcionou dessa vez, já que o filme teve uma recepção morna na bilheteria da primeira semana de exibição.
Nem mesmo o elenco cheio de nomes conceituados de Hollywood foi suficiente para sustentar um roteiro que não se compromete em uma ideia só. Os personagens secundários são introduzidos na primeira parte do filme, mas perdem relevância rápido. Suas motivações parecem manter um nível superficial, o que os deixa canastrões como o caso do casal de vilões interpretado por Ruffalo e Collette, ou até mesmo unidimencionais como os interesses românticos de Mickey e o seu melhor amigo. Sério, que desperdício de Naomi Ackie e Steven Yeun!
Nasha, interpretada por Ackie, inicialmente exibia uma certa malandragem que me fez esperar um plot twist sobre sua índole, especialmente por como ela manipulava Mickey. No entanto, em vez disso, sua trajetória tomou um rumo inesperado, transformando-a em uma espécie de Sarah Connor ou Ellen Ripley, disposta a tudo por amor. Essa mudança, porém, ocorreu de forma repentina e sem o devido desenvolvimento. Assim, suas interações com o personagem de Pattinson faltaram nuances e pareceram forçadas, deixando a parte romântica do filme fraca.
Falando de Pattinson, mesmo que eu seja suspeita para falar já que sou fã de toda carreira dele, desde quando ele brilhava no sol em “Crepúsculo”, não tem com negar que ele é a joia do filme. Ele é brilhante em mostrar sutilezas nos trejeitos, olhares ou dialetos das cada uma das versões de Mickey. Juro, ele tem uma baita química em cena com “ele mesmo”.
Robert Pattinson constrói um personagem carismático que conquista o público, especialmente porque acompanhamos a história através de seus olhos e ouvimos seus pensamentos. Seja como o ingênuo e apaixonado Mickey 17 ou o bad boy pessimista Mickey 18, sempre há uma versão do ator no filme que agrada a quem assiste.
Outro ponto positivo de “Mickey 17” são os visuais e os efeitos especiais. O CGI está impecável, contribuindo para a imersão no universo apresentado. A todo momento, é fácil acreditar na existência daquele novo planeta e de suas criaturas alienígenas. Além disso, mesmo com falhas na execução, é inegável a relevância dos temas abordados por Bong Joon Ho. Afinal, vivemos em uma era em que a individualidade e o dinheiro prevalecem, muitas vezes as custas da própria humanidade. Nos tornamos cada vez mais descartáveis, principalmente no mercado de trabalho, e assim como Mickey antes de embarcar, raramente lemos as letras miúdas.
Mesmo que “Mickey 17” não esteja entre meus filmes favoritos do diretor, vale a pena dar uma chance e assisti-lo no cinema, já que, no fim das contas, ele consegue entreter. Além disso, recomendo conferir as entrevistas do elenco e de Bong Joon Ho durante a turnê de divulgação, como a mesa redonda mediada por Choi Woo Shik e a adorável entrevista do diretor com os cachorrinhos para o BuzzFeed.
Fico animada para os próximos projetos de Bong Joon Ho, pois, sem dúvida, ele sempre entrega algo marcante e reflexivo sobre a sociedade em que vivemos!
7/10
“Mickey 17”
Ano de lançamento:2025
Direção:Bong Joon-Ho
Roteirista(s):Bong Joon-Ho
Elenco:Robert Pattinson, Naomi Ackie, Steven Yeun, Toni Collette, Mark Ruffalo e Holliday Grainger
Gênero:Ficção Científica
Produção:Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Bong Joon-Ho e Dooho Choi
Duração:136 minutos
Mesmo com um elenco estrelado e a direção do premiado Bong Joon-Ho, “Mickey 17” se perde em sua trama de ficção científica com romance. Tirando Mickey (Robert Pattinson), os demais personagens carecem de desenvolvimento, enquanto várias subtramas são introduzidas sem resolução ao longo dos 136 minutos de duração.
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