Ao assistir “Best Choice Ever (A Melhor Escolha de Todos os Tempos)” cheguei a me perguntar ”O que nos faz família? O sangue, os laços, a convivência?!” e notei que esta produção aborda a família por diversas perspectivas: pelo conflito entre gerações, pelas relações tóxicas, pelo abandono parental e pelo amor incondicional.
Baseado na novel Cheng Huan Ji “承欢记 / Histórias de Cheng Huan” de Yi Shu (亦舒), publicada em 1996 pela Tiandi Books, o c-drama é produzido pela Tencent Video e está disponível em português no Viki e no canal do Youtube da Huace Croton TV Português.
ENREDO
Do subúrbio de Xangai, acompanhamos a história da relação e evolução pessoal de Mai Cheng Huan (Yang Zi) e sua família. Ela sempre viveu para seus pais, principalmente sua mãe, mas com a proximidade dos seus 30 anos, se vê fortemente pressionada a casar e constituir uma família, principalmente após seus parentes descobrirem que seu namorado vem de uma família de ótimas condições financeiras.
Cheng Huan, que até agora focava em seu crescimento profissional, passa a testemunhar as ações invasivas e intrometidas de sua mãe afetarem não apenas a si, como também a seu trabalho e sua vida amorosa.
E assim somos apresentados à dinâmica e todos os conflitos familiares dos Mai, que cruzam outras tantas famílias tão pouco perfeitas quanto eles.
OPINIÃO
Poucos dramas familiares me tocaram tanto quanto “Best Choice Ever”. Não que seja o melhor drama desse gênero que já vi, mas admito que esse claramente me marcou. E, além disso, sinto que as narrativas chinesas têm uma maneira incrível de retratar de forma tão delicada e real os conflitos familiares.
Assim, ao longo da série senti que a família Mai poderia ser algo muito próximo como vizinhos meus, e, dessa forma, consegui partilhar de todo sofrimento e evolução que a relação deles tiveram. Alguns podem achar o drama por vezes parado ou talvez possam pensar que não houve romance o suficiente, mas é nítido que o enredo é focado na relação e nos conflitos familiares.
Os personagens me surpreenderam bastante já que houve uma construção muito profunda deles, algo que enriqueceu a história e preciso destacar que uma das figuras mais marcante foi ela, a tempestuosa e controladora Liu Wan Yu, mãe da protagonista. Conseguindo nos revoltar em muitos momentos ao longo da história (mais até do que gostaríamos) ela tem o papel de representar a figura materna tóxica, com um amor incondicional abusivo e desejo exessivo de proporcionar felicidade ao seu modo para seus filhos. Wan Yu é apresentada como uma pessoa extremamente egoísta, teimosa e controladora e os demais membros da família sempre estão “pisando em ovos” e se moldando como podem ao lidar com ela.
Já nossa protagonista, Cheng Huan, coloca sua família em primeiro lugar, sempre lidando com as vontades e o controle materno, até que seus desejos entram em desacordo com os da sua mãe e, desta forma, surge o plot da história.
Nessa jornada de autodescobrimento e “libertação” da Cheng Huan, conhecemos seu círculo de apoio, com personagens que nos enchem que acalento e reflexões, como a vovó Chen Shu Zhen, madrasta do pai de Cheng Huan, que, mesmo sem nenhum laço sanguíneo, trata nossa protagonista sua preciosa neta.
E é aqui que entra o outro destaque do drama, o neto legítimo da senhora Chen, Yao Zhi Ming. Numa família com boas condições, quando criança viu seu pai viciado em jogos destruir a sua família e acabar na prisão. Agora um adulto bem sucedido, mas dono de um coração carente e superficialmente frio, Zhi Ming vê nos Mai a família aconchegante que nunca teve.
Nesse panorama, muitas coisas desse drama ficaram marcadas em mim, entre elas um fato bem peculiar, os pais da Cheng Huan se chamam em muitas das vezes pelos seus nomes. Isso foi tão perceptível já que é costumeiro na cultura asiática serem chamados pelo sobrenome, apelidos carinhosos ou mesmo “mãe e/ou pai de fulano”. Achei que esse fato ajudou os personagens a não perderem suas identidades para além de seus papéis sociais.
Além disso, os debates apresentados no c-drama são importantes, como o claro conflito entre gerações. De um lado, uma sociedade que dava aos papéis e rituais sociais uma importância exagerada. Do outro, uma geração mais nova, que enxerga o seu próprio bem-estar e crescimento como um processo de conquistas e não existe pressa em realizar passagens como o casamento ou a maternidade.
E o principal dessas reflexões, os relacionamentos tóxicos, os relacionamentos familiares apresentados no drama, reforça a INEXISTÊNCIA de um padrão de perfeição na construção de uma família. Da mesma maneira, em todo relacionamento, seja familiar, amoroso, fraterno ou amizade, a convivência exige sacrifícios e limites que você não deve ter medo de colocá-los. Afinal, o respeito é fundamental para que o equilíbrio seja criado.
E para que os limites sejam postos, o diálogo é necessário. A criação de um ambiente onde a expressão dos sentimentos e emoções sejam validados e acolhidos. O que, infelizmente, nem sempre um dos lados, ou os dois, estão dispostos a ofertar. Então muitas vezes precisamos nos afastar do que amamos (e isso inclui familiares), para que possamos ser quem somos ou o que idealizamos.
Para ressaltar esse fato, ao longo da trama outras famílias aparecem, cada qual com seus problemas, e elas acabam por influenciar e ressoar na família Mai.
Uma outra marca deixada pela produção foi a trilha sonora, em especial o encerramento, que simplesmente reflete perfeitamente a relação de Cheng Huan com sua mãe! E já não sendo o bastante, essa música é performada pela própria protagonista, Yang Zi e a atriz He Saifei que faz o papel de sua mãe.
“(Mãe/Sophia Huang): Minha filha! Não sei se sou boa o suficiente, sou mãe pela primeira vez. Mesmo que os anos tenham deixado meus cabelos brancos. No primeiro dia de aula, eu pedi para você ser corajoso, mas eu chorei. Mais tarde, toda vez que você saía de casa, você acenava e dizia que estava indo embora. Quando dizer adeus se tornou fácil, mas meu coração ainda estará vazio.
(Filha/Curley G.): Querida mãe! Não sei se estou fazendo o suficiente, eu sou filha pela primeira vez. Mas também é a primeira vez que faço isso por mim. O dia em que saí de casa, depois que o carro foi embora, eu chorei secretamente. Eu não quero que você se preocupe, estou sorrindo e acenando. Crescer não é fácil […]”
是妈妈是女儿 (It’s Mom, It’s Daughter) por Sophia Huang e Curley G.
Acredito que muitos tenham se incomodado com os últimos episódios do drama, mas não acho que eles sejam de todo mal. Os vi de forma muito coerente com a proposta do enredo e a temática e isso nos leva ao dilema dos fãs: a expectativa de um romance épico entre o casal principal.
No entanto, o romance dos dois é retratado como uma relação bastante madura de companheirismo. Assim, a produção também acertou em nos trazer a oportunidade de vê-los atuando de forma esplêndida, em personagens bastante complexos e bem desenvolvidos.
E mesmo aparentando ser um drama sobre redenção, acredito que o roteiro fale muito mais sobre aprendizagem, sobre entender a necessidade de deixar ir, a luta sobre desapego emocional, e nos faz refletir que ser adulto não é sobre saber o que se está fazendo, já que não existe manual.
Afinal, o drama não entrega apenas uma visão do que é família, mas uma conversa dolorosa, necessária e cruel de como na verdade a representação feliz dos comerciais de margarina são apenas partes ou breves momentos do que de fato se trata um real seio familiar!
Então se você vai assistir “Best Choice Ever (A melhor escolha de todos os Tempos)”, trailer abaixo, prepare os lenços e embarque numa grande experiência. Talvez não seja o melhor drama familiar que você irá assistir, mas sem dúvida vai ser uma produção que deixará alguma marca.
Best Choice Ever (A Melhor Escolha de Todos os Tempos)
Título original: 承欢记
Ano de lançamento: 2024
Direção: Tian Yu e Wang Cheng Xin
Roteirista(s): Li Jing Ling, Hu Xiao Yu e Shinning Wu
Elenco: Yang Zi e Xu Kai
Episódio(s): 37