O luto é um sentimento que todos nós já passamos ou infelizmente vamos passar pelo menos alguma vez na vida. Se realmente podemos dizer que a morte é a única certeza que nós temos na vida, então o que nos resta questionar é: quando é que realmente morremos? É quando nosso corpo para de funcionar? Ou quando a última pessoa que nos ama para de pensar na gente? Pode ser também quando nós deixamos de viver o nosso presente? São questionamentos filosóficos e religiosos que permeiam nossa existência há milhares de anos.

Não é à toa que a indústria cinematográfica sempre tenta cutucar esses pensamentos em seus espectadores, afinal é algo que mexe muito com os nossos sentimentos. Desde animações como “Viva- a vida é uma festa”, de 2017, a romances como “Ghost- Do outro lado da vida”, de 1990, o cinema sempre uniu questões como amor, família e morte. Agora, o lançamento recente do diretor Kim Tae Yong, “Wonderland”, entra nessa leva de longas sobre essa temática. 

O filme do diretor de “Laços familiares” (2006) retorna com uma produção repleta de estrelas muito conhecidas de produções coreanas como Bae Suzy (Donna!), Park Bo Gum (Reply 1998), Choi Woo Shik (Parasita), Gong Yoo (Goblin) e Jung Yu mi (Invasão Zumbi). Além disso, o elenco conta com a esposa do diretor, a atriz chinesa Tang Wei, com quem ele já havia trabalhado anteriormente em “Decisão de partir ”, de 2010

Assim, a trama distribuída em 113 minutos de filme gira em torno da forma que cada personagem lida ao ter contato com uma tecnologia de inteligência artificial denominada “Wonderland” que permite com que se tenha uma vídeo chamada com algum ente querido que já faleceu ou está em estado vegetativo no hospital. Esse aplicativo cria uma espécie de país das maravilhas que permite armazenar um fragmento de personalidade e consciência da pessoa.  

Quanto aos personagens, essa ficção científica é dividida em núcleos, onde cada um deles têm uma problemática, como por exemplo o casal Jeong In (Bae Suzy) e Tae Joo (Park Bo Gum) que tem sua relação abalada pelo app, ou até mesmo os cientistas Hae Ri (Jung Yu Mi) e Hyeon Soo (Choi Woo Shik) que têm interesses pessoais e valores morais colocados a prova com o sucesso que essa ferramenta alcança.

Bai Li (Tang Wei) também é uma personagem importante em “Wonderland”, já que tem destaque na trama com sua filha e sua mãe, o que a torna responsável por grande parte da carga emocional do filme. Não conhecia o trabalho dessa atriz, mas vê-la nesse filme me deixou curiosa para acompanhá-la a partir daqui.

Tang Wei como Bai Li em “Wonderland” (foto:reprodução)

Nesse contexto, achei muito legal que o filme tem três línguas: coreano, inglês e mandarim, tenho certeza que exigiu muita sensibilidade do diretor de passar nas cenas os sentimentos que todos nós dividimos como humanos em três idiomas diferentes. Assim como também tenho certeza que Tang Wei, a pessoa que mais transita entre as línguas em sua atuação, foi a grande responsável pela possibilidade disso acontecer com tanta naturalidade. 

Não só Wei, mas o elenco todo é o destaque do filme, a química entre eles te faz acreditar por alguns minutos que eles são pessoas reais, o que é muito necessário já que há uma grande carga dramática. Tanto que uma pessoa que chamou para si muito da minha atenção foi o personagem de Park Bo Gum, já que o ator soube passar todas as nuances necessárias apenas pelo seu olhar, isso me fez criar uma conexão com os dilemas e aflições de Tae Joo. 

Bae Suzy como Jeong In e Park Bo Gum como Tae Joo em “Wonderland” (foto:reprodução)

A ambientação tecnológica também é um ponto positivo, já que é bem imersiva, e o diretor soube aproveitar o orçamento para criar cenários muito interessantes, como no caso do espaço sideral que aparece em algumas cenas. Mesmo que algumas vezes fique óbvio o uso de fundo verde, acredito que seja perdoável visto que boa parte da história se passa no ambiente on-line.   

Entretanto, mesmo com pontos positivos para mim, o filme pecou em algo muito importante, o roteiro. Ele é assinado por Kim Tae Yong e Min Ye Ji  e  mesmo que tenham uma premissa muito interessante em mãos, a trabalham de forma superficial, deixando de lado ambos gêneros escolhidos, nesse caso o romance e a ficção científica. 

Mesmo que o elenco pareça reduzido, há personagens que ficaram sem desenvolvimento, alguns deles receberam na primeira metade do filme muita atenção, onde são colocados ao público medos e sonhos, mas que são esquecidos rapidamente do meio para o final do filme, deixando um retrogosto estranho de que o longa acabou com muitas perguntas a serem respondidas, mesmo que ele tenha pouco mais de uma hora e cinquenta de duração.  

Dessa forma, se as relações e motivações dos personagens fossem bem estabelecidas, talvez os erros quanto a parte de ficção científica teriam sido perdoados, mas essa forma de unir luto e tecnologia já foi aplicada melhor em outras produções como na série antológica “Black Mirror”. Inclusive, o primeiro episódio da segunda temporada da produção britânica chamada “Be right back” trás em 44 minutos uma história bem parecida, mas com um peso muito maior, já que se concentra somente em um casal e sua família. 

A premissa de “Wonderland” é muito interessante, mesmo que não seja algo novo, com certeza é mais atual do que nunca já que as IAs estão muito desenvolvidas quanto a imagens e sons, podendo reproduzir com exatidão uma aparência humana, mesmo que a essência ainda não esteja lá, mas tudo acaba sendo mal aproveitado. 

Jung Yu Mi como Hae Ri e Choi Woo Shik como Hyeon Soo em “Wonderland” (foto:reprodução)

Acho que a direção de Kim teria ganhado ainda mais destaque se tivesse sido uma mini série antológica ao invés de um filme, já que assim os subplots que foram mal desenvolvidos poderiam ter mais espaço para brilhar. Para mim, infelizmente a história dos cientistas se encaixa nisso, já que as questões morais e emocionais de trabalharem com essa tecnologia em contraste com as vidas pessoais desses personagens deveria ser muito melhor aproveitado, é uma pena já que Jung Yu Mi e Choi Woo Shik trabalham muito bem juntos. 

Além disso, Gong Yoo faz uma participação pequena, mas marcante, seria muito interessante ver mais dele em tela, principalmente pois é sempre um prazer vê-lo atuar, ainda mais em inglês. 

Entretanto, mesmo com todas as minhas ressalvas, “Wonderland” foi um filme que me trouxe questionamentos sobre luto, amor e família. Graças a ele pude pensar muito sobre apreciar os pequenos momentos ao lado quem nos ama, e também sobre nunca deixar de viver o presente. Pois, a mensagem mostra o pior tipo de morte é quando ela acontece na alma. 

Você pode ver “Wonderland” hoje mesmo e tirar suas próprias conclusões, já que o filme está disponível no catálogo da Netflix. 

6/10

Wonderland

Título original: 원더랜드

Direção: Kim Tae Yong

Ano de lançamento: 2024

Roteirista(s): Kim Tae Yong e Min Ye Ji

Elenco: Bae Suzy, Park Bo Gum, Choi Woo Shik, Gong Yoo, Jung Yu mi, Tang Wei

Duração: 115 minutos

O roteiro de “Wonderland” infelizmente, ao invés de colaborar com a obra, acaba prejudicando o andamento do filme pela quantidade de sub-plots que não são bem trabalhados, tanto na parte de romances quanto na parte de ficção científica. Seria muito interessante se esse universo pudesse ser expandido para uma minisséries ou um K-drama, já que muitas perguntas ficaram sem respostas.