Nos últimos oito anos, a Coreia do Sul enfrentou um desafio em relação a sua taxa de natalidade, sendo o único membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com uma taxa abaixo de 1. No início de 2025, contudo, um relatório do governo revelou que essa questão poderia encontrar seu fim, com um crescimento da taxa que manteve uma boa estabilidade de aumento até janeiro deste ano.
Será que as preocupações sobre o assunto estão finalmente sanadas ou ainda têm outras mudanças que precisam ser feitas?
Aumento da taxa de natalidade
Em fevereiro de 2025, a diretora do Statistics Korea, Park Hyun Jung, divulgou que a taxa de natalidade aumentou em 2024, com um total de 238.300 recém nascidos no país, superando os 235.000 nascimentos de 2023. A taxa de fertilidade também sofreu um pequeno aumento, passando de 0.72 em 2023 para 0.75 em 2024.
O número, no entanto, varia de acordo com cada cidade do país, onde Seul, por exemplo, ainda mantém uma taxa baixa, com apenas 0.58, mesmo abrigando mais de 18% da população sul-coreana. Para se ter uma noção melhor, o Brasil totalizou 2.435.045 nascimentos em 2024. Essa diferença significa que, a cada 10,5 nascimentos de brasileiros, há apenas cerca de 1 novo sul-coreano chegando ao mundo.
Quando questionados do porquê do aumento, muitos analistas entendem ser graças ao número de casamentos pós-pandemia, com 2024 registrando uma taxa de 14,9% de casamentos em comparação a 2023, o maior aumento desde que os registros iniciaram em 1970. Segundo o Statistics Korea, essa tendência foi graças ao auxílio de mudanças demográficas e no comportamento social, trazendo uma visão positiva sobre o casamento e o parto, segundo a diretora Park.

Além disso, o fato de parcela da população estar na casa dos 30 anos pode ser um fator para o crescimento da taxa, já que essa é considerada a faixa etária ideal para ter filhos e corresponde atualmente a maior geração do país, representando 18,6% da população total.
As estratégias do governo também são consideradas, uma vez que, além de tentar implementar um ministério para cuidar da questão, também buscaram criar campanhas de incentivo governamental e empresarial, oferecendo bônus às famílias que engravidassem. Um exemplo disso é o caso de Nam Hyun Jin, uma mulher entrevistada pelo South China Morning Post após receber um bônus de U$$ 70,000 (aproximadamente R$ 406,000) após o nascimento do seu segundo filho:
A sociedade na totalidade está encorajando mais a maternidade comparado há cinco anos, quando tivemos nosso primeiro filho. Minha empresa também adotou uma cultura de incentivo e isso é um grande auxílio. – Nam Hyun Jin em entrevista ao South China Morning Post
Ainda que janeiro de 2025 tenha marcado o sétimo mês consecutivo de aumento do número de nascimentos, demonstrando ser uma tendência positiva, alguns especialistas entendem que ela pode voltar a cair, uma vez que apenas incentivos econômicos não são o suficiente para enfrentar as dificuldades de criar um filho.
Homens podem querer ser pais, mas mulheres não têm o mesmo sentimento
A preocupação de uma nova estagnação da taxa não é aleatória, uma vez que no Relatório das Famílias de Seul 2024, publicado pelo Centro da Família de Seul, pessoas na faixa etária de 20 a 40 anos avaliaram a vontade de se tornarem pais em uma média de 3.4 pontos em uma escala que varia de um a cinco. Ou seja, um número bastante morno, que pode indicar a tendência à estagnação.
Segundo a pesquisa, os homens têm um desejo maior de se tornarem pais, pontuando 3.7 na escala, um aumento do número entre 2021 e 2023, onde o máximo era 3.5. Em contrapartida, a pontuação dada a resposta das mulheres continua a mesma de 2023: 3.0. O que explica essa diferença? A desigualdade de gênero na Coreia do Sul.
A criação de filhos continua sendo vista como uma responsabilidade principalmente da mulher, de forma que muitas se sentem na obrigação de equilibrar perfeitamente a vida de mãe e a profissional ou na obrigação de se tornarem donas de casa. A ausência de um apoio institucional efetivo e as pressões sociais acabam criando uma maior imposição dessa dúvida. Quer um exemplo fácil que já passou na sua telinha?

No episódio 8 de “Love Scout” a próxima candidata da Peoplez é a advogada Jang Seon Woo. No começo, ela é apresentada como uma típica workaholic, principal motivação por trás da sua contratação, mas quando estabelece uma série de regras para aceitar o serviço, o episódio faz o público perceber que não é bem assim. Com os protagonistas, ficamos sabendo que Jang está passando por um processo de divórcio e de custódia do filho, o que a faz querer equilibrar a vida profissional e pessoal. Os desejos passaram a ficar divididos entre querer cuidar bem do filho – que estava sendo negligenciado durante todo o processo – e a carreira bem sucedida como advogada, fazendo a personagem se questionar se realmente tinha o direito de ser mãe.
A sobrecarga de equilibrar perfeitamente essa vida, junto ao alto custo de vida no país, principalmente em relação à moradia e educação, tornam a maternidade uma escolha inviável ou indesejada para muitas mulheres. Então, ainda que a taxa de natalidade tenha aumentado, as estatísticas e os incentivos financeiros do governo não conseguem mostrar completamente a realidade ou a motivação daqueles que escolhem não ter filhos, principalmente mulheres.
Uma sociedade não familiar
Em outra pesquisa, dessa vez conduzida pelo Hankyoreh, 87,6% dos entrevistados revelaram estarem insatisfeitos com as condições oferecidas pelo governo e grandes empresas do país. Eles entendem haver uma dificuldade em conciliar o trabalho com a vida familiar, além de existir um ambiente educacional não propenso para uma boa criação: há uma grande pressão por um bom desempenho acadêmico dos filhos desde os primeiros anos escolares. Assim, uma grande maioria, entende que a Coreia do Sul não é um país adequado para criar filhos, por conta do ambiente pouco acolhedor:
Esse também foi o caso da decisão de Shin de não ter filhos. Ela e o marido achavam que seria melhor não ter filhos do que trazê-los para uma sociedade infeliz. Esse é um exemplo de que a questão da qualidade de vida – em sua própria sociedade e na das gerações futuras – é uma variável fundamental que influencia a decisão de ter filhos. – “88% of Koreans think their society isn’t fit for raising children, poll finds”, matéria da Hankyoreh.
Ainda que as estatísticas do relatório divulgado pelo Statistics Korea demonstrem uma visão positiva sobre o crescimento que a taxa de natalidade vem apresentando nos últimos meses, as pesquisas também deixam claro que apenas o auxílio financeiro e ampliação da licença paternidade do governo e das empresas não é o suficiente para voltar ao número de nascimentos que o país tinha na década de 90, onde variava entre 600.000 a 700.000. Para alguns especialistas, mudanças culturais também precisam ser feitas, principalmente no que diz respeito à visão da sociedade sobre as mulheres e a responsabilidade da maternidade.