Competição acirrada no mercado de trabalho. Alto consumismo na sociedade. Desigualdade salarial e social. Machismo. Choi Minho… Essas são algumas das justificativas para a queda da taxa de natalidade na Coreia do Sul que, a cada ano, se torna uma característica constante nos indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país.
Em 2023, a sociedade sul-coreana deu as boas-vindas para uma média de 0.72 nascimentos. Neste ano, a estimativa é de que o valor atinja 0.68. Para se ter uma base de comparação, no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020 a taxa de natalidade era de uma média de 1,65 filhos. Em termos concretos, uma mulher sul-coreana dá à luz a menos da metade de filhos de uma mulher brasileira.
E não para por aí. Esse valor é ainda menor quando se analisa a capital Seul isoladamente. Na cidade, a taxa de natalidade é de 0.55. Com esses números, a lógica é a dos dinossauros: em alguns anos, a sociedade sul-coreana estará extinta.
Emergência nacional
No início deste mês, o presidente da Coreia do Sul Yoon Suk Yeol afirmou, em pronunciamento, que pretende criar um ministério para reverter este quadro. Durante a declaração, Yoon pediu a colaboração do Parlamento para a criação do Ministry of Low Birth Rate, o “Ministério da Baixa Taxa de Natalidade” em tradução livre.
“Mobilizaremos todas as capacidades do país para superar a baixa taxa de natalidade, que pode ser considerada uma emergência nacional” comenta o presidente. Além disso, Yoon reconhece que sua gestão faltou em cumprir responsabilidades que envolvem o bem-estar da população.
É interessante notar que esses números tão baixos não foram capazes de serem revertidos mesmo após anos de insistência por parte do governo, que investiu montantes exorbitantes em sua economia na tentativa de controlar essa tendência. De acordo com um relatório do gabinete do orçamento da Assembleia Nacional, nos últimos 16 anos o Estado sul-coreano injetou uma quantia de, aproximadamente, $ 286 bilhões de dólares (uma média de – não se assuste – 1,4 trilhão de reais) em áreas estratégicas como a assistência à infância (as creches, por exemplo).
Contudo, esse investimento massivo não alcançou as raízes do problema que estão ligadas a fatores culturais e sociais construídos e solidificados há anos.
Disparidades sociais e normas culturais podem ser a principal causa
Não é segredo que a sociedade sul-coreana é altamente competitiva e isso pressiona seus habitantes a seguirem padrões rígidos de comportamento, como acontece na cultura de trabalho excessivo que faz os coreanos adotarem jornadas exaustivas em seus empregos.
Para as mulheres, esse cenário é ainda mais agressivo já que a Coreia do Sul é o país com maior disparidade salarial por diferença de gênero entre os integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), uma organização econômica intergovernamental. Essa desigualdade é acentuada pelo fato de que as sul-coreanas são, também, a população com maior grau de escolaridade da OECD. A consequência direta disso são mulheres que preferem investir em suas carreiras e consideram a maternidade arriscada.
Para aquelas que decidem ser mães, a desigualdade aparece novamente. Por lei, homens e mulheres têm direito a licença de um ano durante o período dos primeiros oito anos dos filhos. No entanto, em 2022, apenas 7% dos pais usaram desse direito, enquanto 70% das mães fizeram o mesmo.
A própria instituição do casamento passa por crises e enfrenta quedas no país. Isso dificulta o nascimento de novos coreanos porque, culturalmente, ser casado é como um dos “pré-requisitos” para ter filhos e mulheres que são mães solo, por opção ou não, enfrentam pesados julgamentos.
Além disso, o tempo livre para a sociedade coreana é encarado como o momento para estudar e se aperfeiçoar. Isso caminha em conjunto com a mentalidade defendida pelo país de sempre investir no desenvolvimento pessoal em diferentes frentes, caso contrário o indivíduo está fadado ao fracasso. Portanto, dedicar esse período para outras coisas é quase sempre fora de questão para as mulheres.
Nadar contra esses padrões sociais não vai ser fácil e evidentemente vai exigir mais trabalho por parte do governo, mas penso que a projeção de um futuro tão sombrio quanto a extinção seja o empurrão mais que necessário para colocar novos paradigmas nos eixos e desconstruir imposições culturais na Coreia do Sul.