Sensibilidade e diferentes perspectivas femininas sobre vida adulta, sonhos e vivência LGBTQ+ na Coreia do Sul. Confira na review: Hello Dracula.

 

Titulo: 안녕 드라큘라/Hello Dracula

 

Ano de produção: 2020

Estreia mundial (Coreia): 17/02/2020

Gênero: Drama

Duração: 2 episódios de cerca de 1 hora | De 17/02/2020 a 18/02/2020

Direção: Kim Da-Ye

Roteirista: Ha Jung-Yoon

Emissora: JTBC

Elenco: Seohyun, Lee Joo-Bin, Go Na-Hee, Lee Ji-Hyun, Seo Eun-Yool

Média de avaliação no MyDramaList: 8,5

Onde assistir: Seohyun Brasil

Sinopse segundo o site Seohyun Brasil: “Hello Dracula” faz parte da curta série dramática da JTBC “Drama Festa” e conta três histórias: a da relação desequilibrada entre An-Na (Seohyun) e sua mãe Mi Young (Lee Ji-Hyun); a vocalista da banda indie Seo Yeon (Lee Joo-Bin), que está presa entre sonhos e realidade; e a amizade especial entre o privilegiado Ji Hyung (Seo Eun-Yool) e a criança indesejada Yoo Ra (Go Na-Hee).

 

História

 

Hello Dracula segue três narrativas que, apesar de focar em suas respectivas protagonistas, eventualmente se cruzam e impactam os acontecimentos uma das outras. O ponto comum que une essas três histórias é a escola onde Anna (Seohyun) e Seo-Yeon (Lee Joo-Bin) dão aula, e onde Yura (Go Na-Hee) estuda.

 

O início da história de Anna é marcado pelo conflito que encara ao perceber que sua namorada não se empenha mais pelo relacionamento que cultivam há oito anos. A situação leva a um relutante término unilateral, algo que, mais à frente, descobrimos ser o ponto inicial da narrativa de outra personagem. O término, porém, acaba sendo apenas mais um motivo para a frustração e tristeza de Anna, que reprime sua orientação sexual em casa e socialmente, e apresenta um quadro de depressão. 

Quando seu relacionamento acaba, a personagem se vê sem o principal foco de sua vida e felicidade, além de ser obrigada a lidar com a relação distante que mantém com sua mãe, que ignora o fato de sua filha gostar de mulheres. 

Apesar de lecionarem no mesmo local e se conhecerem, Anna e Seo-Yeon não trocam muitas palavras e mal sabem que passam, em certa medida, pelo mesmo problema. Enquanto Anna encara os primeiros dias sem sua namorada, SeoYeon está há alguns anos presa no passado, quando seu namorado terminou a relação sem qualquer justificativa convincente.

Ela segue com sua vida, mas o fato de não ter tido a oportunidade de dar um desfecho diferente ao antigo relacionamento influencia seu maior sonho: viver da música. A partir disso, o drama toca também na relação entre escolha profissional x sonho.

Yura, por sua vez, é a mais nova das protagonistas. Apesar de ser uma criança, sua história mostra a realidade da diferença de classes e como isso afeta até mesmo os pequenos. Ela tem seu caminho cruzado por Ji-Hyung, um menino novo na escola, que vive uma vida bem diferente da sua. 

Apesar das realidades opostas, a amizade entre as crianças vai além de diferenças econômicas – o que não agrada a mãe do garoto.

 

Personagens

 

 

Anna (Seohyun)

Ainda jovem, Anna descobre que é lésbica. Ela trata a questão com naturalidade durante sua descoberta com uma colega de classe, mas um acontecimento causa traumas que carrega para a vida adulta e impactam diretamente sua relação seu relacionamento com sua mãe, com quem divide o apartamento.

O drama se passa durante sua vida adulta, quando já é professora primária em um colégio. Nesta fase, ela se envolve com uma mulher, com quem mantém um namoro por oito anos, até esta parceira decidir que não quer mais enganar os pais, mas viver “uma vida normal”.

 

 

Seo-Yeon (Lee Joo-Bin)

Musicista, Seo-Yeon tem uma banda, mas é criticada por seus colegas por não se dedicar completamente a atividade desde o término de seu namoro. O relacionamento chegou ao fim por uma suposta perspectiva de futuro falido, observada por seu companheiro, diante da natureza sonhadora de Seo-Yeon.

Como forma de se sustentar, ela passa a lecionar na mesma escola em que Anna, dando aulas de música às crianças. Mas mesmo após anos, a dor gerada pelo fim do namoro permanece, assim como seu conflito interno sobre seguir ou não seu sonho na música.

 

 

Mi-Young (Lee Ji-Hyun)

Roteirista de dramas, Mi-Young é a mãe de Anna. Uma mãe que busca o melhor para sua filha, segundo suas próprias convicções. Com isso, acaba se mostrando uma mulher muito ocupada e preocupada com as aparências. Ela acredita que para Anna crescer bem, precisa de uma mãe e um pai em casa, resultando em uma infância conturbada para a menina que vê os pais brigando frequentemente.

 

 

 

Yura (Go Na-Hee)

Como a maioria das crianças, Yura tem uma personalidade divertida e contagiante. Por vir de uma família humilde, ela sofre bullying dentro da escola e não tem muitos amigos, o que faz com que circule principalmente entre os personagens adultos. Pelo menos até Ji-Hyung aparecer.

Ji-Hyung (So Eun-Yool)

O novo amigo de Yura também apresenta uma personalidade alegre. Ele se aproxima da menina e se torna seu melhor amigo rapidamente. Quando a situação fica mais difícil para ela, o menino estende a mão e oferece ajuda, indo contra a própria mãe.

 

Análise e opinião

A internet virou de cabeça pra baixo quando foi revelado que Seohyun (SNSD) interpretaria uma personagem lésbica no drama Hello Dracula, parte do especial JTBC Drama Festa de 2020. Isso porque a audiência, principalmente internacional, pareceu entender a importância de ter uma figura como a cantora e atriz dando vida e visibilidade a uma mulher que representa um grupo tão apagado na mídia sul-coreana.

Em apenas dois episódios, Seohyun conseguiu entregar a visão e ainda ser reconhecida por isso. Apesar de levar para as telas um tema polêmico e ainda dividir os dois episódios com outras duas narrativas, a interpretação de Seohyun ganhou atenção e sensibilidade da maior parte dos netizens que se pronunciaram sobre o drama.

Mas além da visibilidade e da protagonista, vale também ressaltar o trabalho de direção e roteiro do drama. Já nos minutos iniciais do primeiro episódio, somos expostos a diálogos sutis, mas com mensagens de impacto, algo evidenciado muitas vezes ao longo das duas horas de duração.

 

A sutilezas, porém, não aparecem apenas nos diálogos, mas também nas referências apresentadas e nos paralelos traçados entre as histórias contadas, o que exige atenção do espectador para entender a complexidade de cada cena. 

 

Em um dos flashbacks de Anna, por exemplo, conhecemos alguns aspectos importantes para a formação de sua personalidade, como o ambiente familiar em que foi criada, e a influência da religião (cristianismo) no entendimento de sua orientação sexual. 

Nesse último caso, elementos como a imagem de Jesus Cristo, vitrais característicos de igrejas, a própria igreja e fieis ilustram a força da religião em julgar, proibir, inibir e punir aqueles que não vivem segundo seus dogmas. Desta forma, injetando um sentimento de culpa que pode se estender durante toda a vida de uma pessoa.

Acredito que para pessoas da comunidade LGBTQ+ — como eu — essa cena pode ser especialmente dolorida. Não apenas por identificação, mas por empatia a pessoas como nós que enfrentaram situações  semelhantes.

 

Outro dois pontos do arco de Anna são importantes de considerarmos: as consequências psicológicas do preconceito vivido pela comunidade LGBTQ+ e a importância que a sociedade dá à estrutura tradicional familiar.

 

Sobre o aspecto psicológico da personagem, assistimos uma mulher jovem, inteligente e independente se deteriorando pelo medo de rejeição por parte de sua mãe. Algo que muitos de nós também enfrentamos e reconhecemos a dificuldade.

Apesar de torcer por histórias LGBTQ+ felizes, entendo também a necessidade de expor esses traumas e questões psicológicas que o preconceito provoca. Principalmente em uma sociedade que ainda encara de forma negativa o relacionamento entre pessoas do mesmo gênero. Desta forma, a humanização de personagens LGBTQ+ pode provocar reflexão e, até mesmo, identificação no espectador, independente de sua orientação sexual.

Já a importância da família em sua estrutura tradicional é mostrada na obsessão de Mi-Young em oferecer um pai à Anna. Além disso, com a figura masculina super valorizada e colocada como estritamente necessária, Mi-Young projeta na filha algo que ela mesma não teve: um casamento bem sucedido.

 

Com todas essas questões em cena, a narrativa de Anna definitivamente dita o tom do primeiro episódio. Tanto em termos de duração, já que é a que mais tem tempo de tela, quanto em termos de envolvimento. Isso porque diante de uma trama que aborda orientação sexual e saúde mental, fica um pouco difícil de se ater à narrativa de uma jovem mulher dividida entre seguir ou não seus sonhos, e a história misteriosa acerca da amizade entre duas crianças.

 

Mas no segundo e último episódio, as três histórias atingem seu potencial — mesmo que de forma um pouco corrida. Particularmente, a narrativa das crianças, em específico, não me tocou muito até que me vi diante desta cena.

 

Ver uma criança presa em uma lógica adulta e capitalista foi um pequeno choque, mas também serviu como epifania para entender como mesmo os mais jovens podem ter consciência do valor de posses e dinheiro. A menina, que é apresentada como uma inocente criança durante o primeiro episódio, aparece como uma figura precocemente madura no episódio final. Não apenas em suas reflexões, mas até mesmo nas situações em que é submetida. 

 

Além de entender que o lugar que ela ocupa na sociedade depende muito de sua classe econômica, Yura também aprende sobre como isso pode orientar relacionamentos e, principalmente, despedidas. Especialmente quando você, como Seo-Yeon, decide não sucumbir às expectativas dessa sociedade.

Apesar de não tocar muito no assunto de classe social — e, em seus poucos momentos de vida particular revelados, Seo-Yeon parece ter uma vida confortável —, sua narrativa é permeada pelas expectativas dessa sociedade. E é curioso ver que a cobrança — para que tenha tudo sob controle, para que encontre um emprego “sério”, para que deixe seus sonhos para trás — parte sempre dos homens que participam de sua vida. Desde o ex-namorado interesseiro até os companheiros de banda.

Apesar de, por fim, conseguir encontrar seu caminho e ainda dar o desfecho merecido ao que restava de seu antigo relacionamento, Seo-Yeon não protagoniza a mais cativante das três histórias. Mas definitivamente liberta a si mesma e ao espectador da frustração que é assistir o potencial de uma mulher ser afetado por um homem que não corresponde seu amor.

 

A impressão, quando você chega aos minutos finais do segundo episódio, é realmente de uma rede de apoio entre mulheres que se unem, se protegem e buscam se entender, independente de suas divergências, diferenças de gerações e falta de intimidade.

 

Apesar da melancolia, que acompanha a maior parte dos dois episódios, a mensagem é de esperança e de uma força feminina que supera as mais complicadas e dolorosas situações. Os dois episódios vão parecer insuficientes para quem tem sede de uma narrativa diferenciada e com suas complexidades bem exploradas. Quem sabe, Hello Dracula não sirva para abrir as portas para novos dramas neste estilo? E vamos de expectativa.

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Texto por Bea | Equipe de redação da K4US
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