DAZE ALIVE, TaU e Fine falam sobre representatividade LGBTQIA+ e o significado de seu crescimento dentro da cena indie coreana.
Basta pensar no número de artistas assumidos no K-Pop para perceber que podemos contá-los nos dedos. E de uma só mão. Holland é o nome da comunidade LGBTQIA+ na música pop Coreana. Mas além dele, e além do main stream, a representatividade LGBTQIA+ cresce na cena indie coreana: abrindo espaço para que artistas como TaU, Fine, MRSHLL, Jiae e Hurricane Kimchi tenham uma plataforma de expressão e alcance.
Essa geração de artistas assumidos, orgulhosos e, principalmente, corajosos em se colocar de forma tão honesta na mídia — seja ela de pequeno ou grande alcance — significa uma abertura para uma cultura mais inclusiva.
“Eu sinto um senso de comunidade e união sobre eles,” declara Fine, rapper não-binárie e pansexual, sobre o pequeno grupo de artistas queer que conhece e com quem divide a cena.
Para além dessa formação de uma comunidade, a presença desses artistas traz ainda uma virada no que diz respeito à representatividade na música sul-coreana. Não apenas abrindo espaço para as próximas gerações de artistas, mas também criando novos exemplos para a própria comunidade LGBTQIA+ do país, que dispõe de tão poucos artistas locais como referência de existência e resistência.
A necessidade de referências locais
“Acho que muitas pessoas LGBTQIA+ da Coreia vão encontrar mais apoio fora do país do que dentro dele,” conta Fine, que passou por anos de negação sobre sua identidade. Uma dificuldade em se aceitar decorrente, entre outros motivos, justamente da falta de representatividade local.
“Foi difícil encontrar bons exemplos na Coreia, mas as notícias internacionais sobre a legalização do casamento entre pessoas do mesmo gênero e celebridades internacionais se assumindo me ajudaram muito.”
O próprio Holland, nome atualmente mais conhecido entre os artistas queer sul-coreanos, já contou em entrevista que recorria à mídia hollywoodiana para encontrar essas referências, já que é um meio onde a representação LGBTQIA+ é mais comum.
A falta de representatividade, que vem sendo relatada por artistas queers sul-coreanos, só reforça a necessidade e a importância dessa movimentação que acontece atualmente na cena independente. E esses artistas já se mostram dispostos a ocupar esse lugar de exemplo para a comunidade.
“Seria ótimo me tornar a referência de alguém, quero poder influenciar as pessoas de uma forma positiva,” conta a cantora TaU. Ela, que é assumidamente bissexual, comenta que a comunidade LGBTQIA+ ganha força quando tem seus sentimentos e pensamentos expressados através da música, e que este é um fio condutor em seu processo criativo.
A exemplo disso, suas músicas, assim como as de Fine, tendem a não se limitarem entre pronomes femininos/masculinos. O detalhe pode parecer mínimo para alguns, mas para quem cresce em uma sociedade que não enxerga sua identidade e suas relações, este pode ser um fator de importante identificação e inclusão.
“Acho que é bom que eu possa passar minha mensagem não apenas para homens, mas também para mulheres. Espero que não questionem por quê mulheres cantam músicas de amor para mulheres,” declara TaU.
Cena indie: oportunidade ou limitação?
Um espaço receptivo à artistas LGBTQIA+ definitivamente é um motivo de celebração, mas cabe também o questionamento do por quê crescem as representatividades LGBTQIA+ especificamente no meio da música independente/underground.
Para a empresa DAZE ALIVE, formada por SLEEQ, JERRY.K e Rico, essa realidade pode ser explicada pelo fato da cena underground ter um caráter menos comercial em comparação à música mainstream — que ainda é muito resistente quando se trata de apoio à pessoas LGBTQIA+.
Mas outros fatores também devem ser considerados. Como, por exemplo, a questão de espaço seguro x espaço limitado.
Com uma cultura de LGBTQfobia forte no país e, como já comentado, uma representatividade muito pequena, o ambiente mainstream carrega preconceitos e padrões que basicamente impõem que artistas queers se concentrem na cena independente.
.Algo que, diga-se de passagem, nem mesmo é limitado ao cenário da música ou entretenimento sul-coreano. Aqui no Brasil, por exemplo, apesar de termos nomes assumidos como Pabllo Vittar e Ludmilla, foi recentemente que artistas LGBTQIA+ se tornaram mais comuns e aceitos na música popular.
Para Fine, a concentração na música independente não é uma questão de maior segurança dentro desta cena, mas sim uma questão de menor exposição a esses padrões do mainstream.
O time da DAZE ALIVE, por exemplo, que já está na ativa há mais tempo, apenas por se colocar no lugar de apoiadores da comunidade LGBTQIA+, já sentiu na pele parte do motivo pelo qual é tão difícil artistas queer extrapolarem os limites da música independente e alcançarem maior visibilidade.
“Quando JERRY.K reclamou do uso [do termo] “gay” como um xingamento, CJAMM respondeu com uma diss. Ao ver o apoio público da DAZE ALIVE à comunidade LGBTQIA+, DEEPFLOW também se referiu a nós como “Gays Alive”. A cena do hip hop coreano tem essa atitude homofóbica e por isso a DAZE ALIVE apoia pessoas LGBTQIA+ abertamente. Porque queremos que saibam que existem outras vozes também,” pontua a empresa.
Apesar do relato marcar o k-hip hop especificamente, a LGBTQfobia não se limita a apenas um gênero musical específico, menos ainda ao mundo da música. De acordo com Fine, o que se vê na indústria musical é um reflexo direto de um comportamento social: “a Coreia ainda é um lugar onde o ódio por LGBTQIA+ é muito difundido,” resume.
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É possível representatividade no K-Pop e mainstream?
“Eu quero receber atenção do mainstream. Muita atenção e grande exposição podem aumentar a visibilidade LGBTQIA+ e podemos ajudar as pessoas a admitirem que estamos presentes na vida diária,” afirma Fine, que expressa ainda sua disposição em receber todo o ódio necessário para que essa seja uma realidade futura.
Mas será que falta tanto assim para que isso seja possível?
Entre os fãs internacionais de K-Pop pode até existir uma grande disponibilidade em aceitar esses artistas queers — o que muitas vezes beira à fantasia —, mas, historicamente, o K-Pop não é exatamente um exemplo de indústria acolhedora para pessoas LGBTQIA+.
“Hong Seok-cheon, que se assumiu gay, não está na ativa há quase 10 anos, e a cantora trans Hari-su também recebeu ódio sem fim,” relembra Fine.
Há ainda o exemplo da cantora Jiae, que fazia parte do WA$$UP. Em recente entrevista à K4US, ela revelou que as limitações da vida idol eram tantas que ela não conseguiu nem ao menos descobrir sobre sua bissexualidade durante o período em que estava no grupo.
Então não é por falta de tentativa que essa representatividade ainda não é uma realidade. Além das questões de preconceito, é preciso que referências sejam estabelecidas para que artistas LGBTQIA+ se vejam e possam se descobrir e se reconhecer.
“Considerando a atmosfera homofóbica da música mainstream, acreditamos que ainda existe um longo caminho a percorrer,” afirma a DAZE ALIVE.
Mudança já tem linha de frente
Apesar das adversidades, passos lentos caminham em direção à mudança — que já assume alguns nomes e corpos. Harisu, por exemplo, está de volta à TV. Através do programa Voice Trot, ela vem encantando a indústria com sua voz e dividindo lugar com outras mulheres, sem que sua identidade seja questionada. Inclusive, em uma de suas apresentações no programa, levou Choi Hanbit, outra artista trans, para sua performance.
Jokwon, que por muitos anos teve sua orientação sexual questionada pelo público e pela mídia, declarou recentemente que “não ter gênero é minha arma”. Para alguns, a fala não necessariamente significa que tenha se assumido como uma pessoa sem gênero, mas Jokwon definitivamente segue quebrando barreiras de gênero e trabalhando em produções como Everybody’s Talking About Jamie, que leva para os palcos sul-coreanos a diversidade LGBTQIA+.
Holland, por sua vez, é um caso específico de sucesso. Assim como os artistas queers que estão aparecendo, o cantor nasceu da cena independente. Mas seu trabalho incisivo e a visibilidade proporcionada pelo engajamento massivo de fãs globais de K-Pop permitiram que sua carreira desse um salto.
Apesar de não ter tanto reconhecimento dentro de seu país de origem — passando até mesmo por casos de censura por meros beijos gays em seus MVs —, Holland se tornou o rosto da Coreia LGBTQIA+ nas semanas de moda e capas de revistas de todo o mundo.
E esses são apenas alguns exemplos de uma visibilidade ampliada. A música sul-coreana atualmente conta ainda com os reforços de TaU e Fine, que quebram barreiras de gênero em suas músicas, se tornando referências para a juventude LGBTQIA+; a drag queen e ativista social Hurricane Kimchi; MRSHLL e sua carreira multi-gênero; e os ex-idol Jiae e Navinci.
“Quanto mais artistas queer assumidos mostrando que pessoas queer são como qualquer outra, mais positiva será a impressão [desses artistas],” afirma a DAZE ALIVE.
Para a empresa, essa virada que presenciamos na representatividade LGBTQIA+ só é possível diante do poder da cultura. E esse ambiente de expressões artísticas pode permitir que algo ainda maior aconteça.
“É muito difícil criar um mundo sem discriminação, então eu gostaria de ter uma pequena participação nesta criação. Este é o meu objetivo atualmente,” conclui TaU.
A K4US agradece a disponibilidade de Fine, TaU e DAZE ALIVE em discutir um assunto tão importante conosco, emprestando suas visões para que possamos entender melhor a união de dois universos (LGBTQIA+ e música independente) que merecem muito apoio.
Entrevistas por Bea | Equipe de redação da K4US
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