Série da Netflix, “Record of Youth” trouxe homofobia e incoerência para trama ao desenvolver história de personagem gay.


“Record of Youth” tem dado uma aula de roteiro e carisma de personagens, mas os dois últimos episódios, exibidos nesta semana, confirmaram um medo que foi alertado logo em sua estreia. Ao tentar ser atual, a série trouxe um personagem gay, o Charlie Jung (Lee Seung Jun), relativamente bem retratado inicialmente, mas ao desenvolver sua trama trouxe incoerência e uma dose de homofobia que poderia facilmente ser evitada.

Por ter um apelo global ao estrear na Netflix, a série da tvN tratou o estilista Charlie Jung nos primeiros episódios com respeito, longe de deboches ou com uma retratação fora da realidade. O fato de Jung ser gay, inicialmente, não é uma grande questão, mas o roteiro logo no começo deu dicas de que o personagem poderia ser reaproveitado em algum momento de uma forma não tão adequada. Em uma contextualização rápida, Jung gostava de Hyejun (Park Bogum).

Quando publicamos o texto de primeiras impressões, que pode ser conferido na íntegra aqui, mostramos o nosso receio de transformarem o personagem em um vilão banhado em estereótipos. Pegar um personagem LGBTQIA+ e representá-lo como o vilão da história não é o que a comunidade precisa nesse momento. Isso, felizmente, não aconteceu, mas o roteiro não impediu que uma bela dose de homofobia invadisse a tela.

Nos episódios 11 e 12, Hyejun sofre o seu primeiro grande escândalo como artista. Rumores apontam que ele e Charlie Jung tiveram um caso que, consequentemente, ajudou a alavancar sua carreira. Os boatos só ganham força quando o estilista tira sua própria vida após ver o sucesso do ator. O próprio Hyejun pouco se importa com o rumor, por saber da verdade e não sentir necessidade de se provar como um homem heterossexual. O problema são os personagens ao redor.

Enquanto a mídia em um primeiro momento parece tratar o rumor como qualquer escândalo de namoro – quem acompanha a indústria sabe muito bem o barulho que isso causa, familiares e conhecidos tratam a possibilidade do personagem ser gay como se fosse um problema a ser enfrentado e resolvido. O roteiro tenta se justificar ao colocar esses personagens tentando proteger a maior estrela em ascensão da Coreia, mas a necessidade exacerbada de provar a heterossexualidade dele incomoda.

Para não falar que não houve ao menos uma tentativa de promover um certo debate pró-LGBTQIA+, a mãe de Hyejun, Han Aesuk (Ha Heera), tem uma fala muito pontual no episódio 11 e afirma que gênero não importa quando se ama alguém. A problemática da abordagem é que a fala se perde em meio a tanta homofobia velada em mais de duas horas de dois episódios.

Ao fazer isso, “Record of Youth” acaba contribuindo de certa forma ao clássico discurso de que é errado ser gay. A resolução dada ao problema é realista, mas pouco se fantasiou em “florear” um mundo ideal que pudesse contribuir para a causa LGBTQIA+ do lado de fora da tela. Talvez por querer engatar um novo plot que deve acompanhar a série em seus últimos episódios, não houve tempo hábil para isso. Ainda assim, era melhor nem ter abordado tal trama.

Não era necessário trazer falas dignas do “Quebrando Tabu”, mas “Record” perdeu totalmente a oportunidade de usar o seu alcance global (!) para promover um debate pro-LGBTQIA+. O saldo final é de que a trama abordada nestes dois episódios se tornou totalmente incoerente com a forma que Charlie Jung foi inserido no k-drama: com respeito. É realmente uma pena uma série que se propôs ser tão atual consiga se perder em conceitos do século passado.