Aviso: esse texto contém menção ao suicídio.  

Leslie Cheung, ícone do cantopop e ator premiado, desafiou diversas convenções ao ser um dos primeiros artistas asiáticos a falar e se posicionar sobre sua sexualidade em meio ao conservadorismo de Hong Kong. Sua carreira no mundo da música começou em 1977, com sua participação no “Concurso de Canto Asiático” da Rediffusion Television (RTV), performando a música “American Pie” de Don McLean, terminando em quinto lugar. Entretanto, sua carreira na indústria musical começou de forma tensa, enfrentando diversos obstáculos, como as duras críticas e os fracassos comerciais de seus três primeiros álbuns.  

Porém, tudo mudou com o lançamento do single “The Wind Blows Own”, em 1982, que trouxe uma revitalização da imagem de Leslie para o mundo musical. Já em 1984 seu sucesso explodiu e foi nesse período que ele lançou o hit “Monica”, cover da música do cantor japonês Kōji Kikkawa, liderando as paradas de Hong Kong. Com isso Leslie coloriu o cantopop de forma dançante, se distanciando das tradicionais baladas que dominavam completamente a cena. Daí em diante sua carreira musical apenas deslanchou, tendo o lançamento de mais de 40 álbuns e 33 sold-outs consecutivos em shows no Coliseu de Hong Kong no ano de 1989. 

Porém, seu mundo não se restringiu a música, Leslie também adentrou a sétima arte, isto é, o cinema. Essa trajetória teve seu pontapé com o papel em “Alvo Duplo” (1986), que quebrou o recorde de bilheteria em Hong Kong. Sua atuação ganhou maior reconhecimento internacional com o filme “Adeus, Minha Concubina” (1993), de Chen Kaige, no qual Leslie interpretou o personagem principal, Cheng Dieyi. uma estrela da Ópera de Pequim que se apaixona por seu amigo de infância, Duan Xiaolu, conforme atuavam juntos. O filme foi ganhador da Palma de Ouro de 1993 no Festival de Cannes, e conferiu grande destaque para Leslie no meio cinematográfico.

Outra obra que trouxe a temática LGBT+ com Leslie no protagonismo foi o filme “Felizes Juntos” (1997), de Wong Kar-wai. Nesse clássico, ele interpretou Ho Po-win, que enfrenta diversos conflitos com seu namorado Lai Yiu-fai (Tony Leung), envolvidos em um relacionamento conturbado. É justamente nesse filme que temos a famosa cena dos personagens dançando tango na cozinha, em um momento de breve felicidade e uma intimidade pacífica entre os amantes. 

A cena ganhou tanta repercussão que foi reproduzida por ele nos shows da turnê “Red”, em 1997. Durante a performance, o dançarino e Leslie usavam ternos brilhantes, mas a diferença estava no sapato. Cheung usava um salto alto vermelho, repleto de brilho, trazendo sua personalidade de forma única, rompendo com diversos ideais heteronormativos que a sociedade insistia, e ainda insiste, em estabelecer. 

Foi nessa mesma época que Leslie abriu sobre sua sexualidade, se declarando bissexual em uma entrevista com a revista Time, algo que tinha negado até o momento, tendo em vista o forte conservadorismo que estava ao seu redor. No mesmo ano, 1997, Leslie falou de seu relacionamento com Daffy Tong, declarando uma música para seu amado em todas as noites da turnê. 

Durante os anos 90 Leslie Cheung era a única estrela abertamente queer na Ásia, recebendo grande apoio de seus fãs. Em um período em que a comunidade LGBT+ era estigmatizada pela Aids, chamados de pervertidos, em uma sociedade tão opressora, Leslie decidiu ser ele mesmo, brilhando, como havia cantado, e influenciando a cultura pop com toda sua essência. 

“Eu não vou me esconder, vou viver minha vida do jeito que eu gosto sob a luz brilhante. Eu sou o que sou, luz de fogo de uma cor diferente.” 

Leslie Cheung

Porém, por muito tempo Leslie lutou contra a depressão e no dia 1° de abril de 2003 ele pulou do 24° andar do hotel Mandarin Oriental, localizado em Hong Kong. Nesse momento tão devastador, diversos fãs se reuniram em frente ao local e o nome de Tong foi o primeiro listado no anúncio da família a respeito da morte de Leslie, sendo referenciado como o amor de sua vida. 

Vale lembrar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não foi legalizado em Hong Kong, que segue falhando em diversos aspectos com relação a comunidade LGBT+. Entretanto, na memória coletiva, Leslie Cheung e Daffy Tong serão sempre lembrados como símbolo de um grande amor, como podemos ver em cada post que ainda é feito por Tong relembrando cada data com fotos de seu grande e eterno amor. 

Em 2023 o Hong Kong Heritage Museum realizou uma exibição em lembrança dos 20 anos da morte de Cheung, intitulada “Miss You Much Leslie Exhibition”, contando com a visita de mais de 300 mil pessoas. A curadoria teve a participação de três amigos próximos de Leslie, Florence Chan, William Chang e Wing Shya, tendo também a coleção pessoal de Cheung que foi compartilhada por Daffy Tong. Dentre as exposições, estava o salto vermelho mencionado anteriormente, a roupa branca com plumas e a calça jeans decorada, ambas usadas no show “Passion Tour”. 

Faz 21 anos que estamos sem Leslie Cheung, mas seu legado permanece na comunidade LGBT+, no cinema, na música e na cultura pop, sendo sempre lembrado por suas performances brilhantes, cheias de sua essência incomparável, cheias de amor. 

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia, incluindo feriados, pelo telefone 188, por e-mail, chat e pessoalmente.