Quando assistimos as produções de Hayao Miyazaki percebemos diversos espaços preenchidos pelo silêncio e pelas paisagens ao redor dos personagens, nos quais observamos apenas o passar do tempo. Há uma palavra em japonês que define esse vazio, o “ma” (間), cujo ideograma é composto pelo caractere que representa o portão/portal (門) com o sol (日) em seu meio. De maneira simples, o “ma” pode ser entendido como o espaço existente no tempo ou entre dois elementos distintos. 

Essa ideia vai na direção oposta dos cenários cheios de informações ao redor e se constrói na contemplação das pausas e silêncios, abrindo espaço para que o espectador observe com atenção determinados momentos. Ainda que seus filmes sejam recheados de histórias bem construídas com diversos movimentos e ações, Miyazaki utiliza do “ma” para transbordar reflexões e sensibilidade dentro dos  mundos fantásticos construídos em cada filme. 

A cena do trem em “A viagem de Chihiro” é um bom exemplo para que possamos visualizar essa ideia. Nessa sequência, acompanhamos Chihiro em seu trajeto, ao som da música “The Sixth Station”, do compositor Joe Hisaishi, sem a presença de nenhum diálogo. Durante essa viagem percebemos uma pequena casa, acompanhada de uma árvore, isolada em meio ao vasto oceano, vemos pai e filha enquanto o trem ainda está em movimento, notamos as diferentes estações, a companhia dos diversos espíritos passageiros ao redor, e somos contemplados com a transição do pôr do sol para o cair da noite. Assim, Miyazaki nos invade com uma mistura de melancolia e toques de tristeza, enquanto demonstra a determinação de Chihiro em seguir seu caminho para novas descobertas. 

“O tempo entre minhas palmas é ‘ma’. Se você tem apenas  ação ininterrupta, sem nenhum espaço para respirar, é apenas ocupação. As pessoas que fazem filmes têm medo do silêncio, […] então querem encobri-lo. Eles estão preocupados que o público fique entediado. Mas só porque é 80% intenso o tempo todo não significa que as crianças vão te abençoar com sua concentração. O que realmente importa são as emoções subjacentes – que você nunca as abandone.”

Hayao Miyazaki

Na obra “Ma: entre-espaço da arte e comunicação no Japão”, Michiko Okano utiliza a arquitetura como exemplo para abordar essa questão, pontuando que o “ma” pode ser encontrado nos jardins, nas casas de chá e nos templos, mas também vai além disso, permeando a cultura e a arte japonesa. Dessa maneira, o “ma” se faz presente no dia a dia dos japoneses, sendo um ponto importante para analisar a intersecção da arte nos diferentes espaços.

Dessa forma, a presença do “ma” nos filmes de Hayao Miyazaki nos leva a contemplar a beleza presente no vazio e no silêncio, nos convidando a sentir aquilo que está ao redor, é uma pausa e um entre-espaço necessários para que possamos refletir. Assim, adentramos os vazios que atravessam os campos floridos de “Castelo Animado”, a padaria e a cabana de “O Serviço de Entregas da Kiki”, a canção noturna de “Meu Amigo Totoro”, a vida marinha de “Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar”, o céu e as folhas nos cenários de “Vidas ao Vento”, entre tantos outros momentos presentes em várias outras produções de Miyazaki, acompanhadas das belas composições de seu amigo Joe Hisaishi. 

Bem profundo, né? Agora você sabe que esses espaços em tantos filmes japoneses são o “ma”, nos convidando a apreciar o silêncio e achar a beleza no vazio.