Holland, um novo cantor solo na indústria do K-Pop, conseguiu agitar a internet com um simples teaser para seu debut. Tudo porque o vídeo mostrou o relacionamento amoroso entre dois homens. Apesar de se tratar de imagens mais comum para muitos fãs internacionais, que já tem uma familiaridade maior com esse tipo de cena – seja por testemunhar no dia a dia ou em produções audiovisuais, como séries e filmes –, todos sabemos que é um grito de resistência na Coreia do Sul, país onde existe uma pungente indústria do entretenimento, na qual a relação com a homossexualidade é frequentemente resumida a brincadeiras, interações planejadas entre os artistas e pouquíssimas figuras públicas assumidas.
Quando rola o papo de que representatividade importa, é real! Quem participa da comunidade de K-Poppers brasileiros, por exemplo, sabe que não apenas shippar casais do mesmo gênero é uma prática recorrente entre os fãs, mas também uma parte significativa de seus participantes de fato pertence a comunidade LGBTQ. A resposta dos fãs de K-Pop ao surgimento de um ídolo com o qual possam se identificar genuinamente – não partindo de suposições derivadas de interações entre artistas que nunca assumiram sua orientação sexual – mostra a importância de termos, como referência, pessoas públicas que realmente se assemelham conosco. Holland, que recebeu uma quantidade esmagadora de amor dos recentes fãs brasileiros, compartilhou uma mensagem de encorajamento no twitter: “Mantenha seus medos para si próprio e divida sua coragem com os outros. Obrigado!”.
Dessa vez não partiu dos fãs a premissa de que a barreira linguística não os impede de se comunicar e se envolver com os artistas coreanos. Holland percebeu o expressivo interesse e apoio dos brasileiros – que já enchem suas redes sociais de “come to Brazil” – e mostrou seu esforço ao traduzir uma pequena mensagem para o português e outra para o espanhol, tudo para facilitar a compreensão dos interessados no lançamento de seu MV.
O lançamento do clipe, assim como o teaser, movimentou os K-Poppers nas redes sociais. A hashtag #HollandDebutDay trendou, enchendo o Twitter de declarações de apoio ao artista.
Para alguns o MV pode soar clichê ou mais do mesmo, trazendo cenas comuns de um relacionamento: momentos mais românticos, felizes; e as partes mais complicadas como as brigas. Afinal é o que mais temos visto ao longo de anos em vídeo clipes: com casais héteros. O simples fato do contexto trazer um casal homossexual já mostra a coragem e a tentativa de quebrar com o cenário conservador da indústria.
Os fãs especulam que, no clipe, a razão do término, durante a briga deles na praia, é a pressão e rejeição da sociedade sobre um casal gay. Sendo assim, todas aquelas cenas fofas, onde os meninos estão juntos e felizes, tratam-se apenas de memórias de Holland, que ao longo do clipe aparece diversas vezes sozinho e triste. A letra da música também pode dar uma interpretação diferente. Holland canta sobre como crescemos ouvindo o quão errado é ser gay e, muitas vezes, aceitamos esse e outros discursos preconceituosos, percebendo o erro conforme vamos crescendo e entendendo melhor sobre o mundo e nós mesmos. A “Neverland” que o cantor menciona seria o local de pureza e felicidade etérea que encontramos quando nos apaixonamos e o amor se mostra a escolha certa, não importa sua natureza.
A melancolia e o sentimento que a música e o MV passam, de um desejo de felicidade distante da própria realidade, lembram um pouco o trabalho do Troye Sivan – artista australiano conhecido também por colocar no mainstream a realidade da juventude LGBTQ. Outro ponto semelhante entre os dois cantores é a estética presente em seus clipes. Assim como Troye Sivan, Holland se utiliza do que na internet é chamado de “eye pleasing” – ou estética agradável – que não apenas complementa as cenas de romance, mas também consegue incoporar beleza às cenas mais tristes.
Explorando comentários sobre o debut de Holland podemos encontrar também muitas declarações sobre fãs felizes em ver as cenas de romance entre dois meninos, mas o que precisamos lembrar é que se tratam de dois profissionais: um cantor e outro modelo/ator. O MV é importante no que tange a visibilidade gay na Coreia do Sul, não consiste em um material para shippers. Tudo bem acharmos as cenas lindas, mas o ponto ali é que: na vida real também é lindo, mas descriminado, então precisamos respeitar a coragem de quem se expõe dessa forma. Como o próprio Holland, que, segundo os artigos sobre seu lançamento, é assumidamente gay.
Como fã de K-Pop há nove anos e parte da comunidade LGBTQ, sempre esperei pelo momento em que veríamos um K-Idol se assumindo e inspirando seus fãs e pessoas no geral, afinal a influência de um ídolo na vida de seus fãs e da comunidade K-Popper é muito grande. Por outro lado, o receio diante do que tal ídolo passaria me fez repensar esse desejo várias vezes. O abraço da comunidade internacional de K-Poppers é um grande alívio e incentivo para um artista que corre grande risco de ser marginalizado em seu país de origem. Até porque, até então, é esse grupo que vem apoiando e permitiu que o MV de Holland atingisse 1M de views em apenas um dia. Enquanto isso, o MV foi classificado como indicado para maiores de 19 anos por um simples beijo e não houve nem sombra de qualquer opinião da comunidade coreana de K-Poppers.