Lançado em 2018, Gonjiam – O Manicômio Assombrado parece o típico filme de terror de estilo asiático: paranormalidade, sustos, aparições sobrenaturais, uma pitada de Confucionismo e rituais religiosos envolvidos em uma trama na qual todas essas situações são engatilhadas pelo comportamento zombatório de algum personagem.
E, sendo sincera, o filme realmente traz esses elementos. Contudo, a sacada do diretor Jung Bum Shik foi unir todas essas ferramentas narrativas a um ponto bem atual: redes sociais, likes e a que ponto uma pessoa pode chegar para obter números de visualizações em lives. Parece meio absurdo, né? Mas o diretor conseguiu criar uma história bem interessante a partir disso.
No longa metragem, acompanhamos a equipe de um canal no YouTube voltado para investigações paranormais em locais supostamente assombrados. No episódio que é pano de fundo do filme, o grupo decide ir para Gonjiam, um hospital psiquiátrico abandonado e que, diga-se de passagem, realmente existe e foi listado pela CNN como um dos locais mais bizarros do mundo.
Em um estilo bem A Bruxa de Blair, a produção é quase toda montada com o recurso estético do found footage, aquelas gravações que a pessoa faz dela mesma e do local onde está, sabe? Dá um ar amador que tem tudo a ver com a proposta de Gonjiam, afinal, estamos acompanhando uma live no YouTube.
Então, seis dos sete participantes entram no hospital, cada um com sua câmera para gravar suas próprias impressões do lugar. O sétimo é o diretor do canal, que decide coordenar o grupo de fora. Ele se comunica com a equipe para direcionar as reações do grupo conforme a resposta do público no chat. Sim. Ele manipula a audiência e esta, várias vezes, reconhece a apelação. O ponto aqui é que as pessoas acessam o canal pelas situações absurdas as quais os participantes se submetem, independente de ser verdade ou não. O público quer ver o caos e o diretor do canal sabe disso.
Aos poucos, a atmosfera do filme vai mudando. A alternância constante de câmeras, com pontos de vistas diferentes, intensifica a sensação de ansiedade. Ao passo que sabemos do jogo da manipulação que existe por trás da gravação, é impossível não sentir a angústia, a antecipação e a claustrofobia que um hospital psiquiátrico abandonado consegue passar, principalmente quando esse cenário é acompanhado do silêncio, do escuro e de uma quantidade enorme de objetos quebrados, sujos e velhos.
Nesse momento, por sinal, o estilo do found footage acaba pisando em outro terreno que amo com todas as forças: o Uncanny Valley (ou Vale da Estranheza). Um termo criado por Masahiro Mori, cientista japonês da área de robótica, para descrever a sensação de aversão e medo que uma pessoa sente quando vê um robô muito parecido com um humano. Em filmes e outras produções, esse conceito é utilizado quando, por exemplo, uma criatura humanoide aparece em algum momento. Sabemos que não é uma pessoa porque claramente não se comporta como tal, mas se parece tanto com um ser humano que nosso cérebro se confunde. Incomoda. E isso é muito bem utilizado em Gonjiam.
Aliás, o Vale da Estranheza virou uma estética que, na minha opinião, deveria ser mais explorada em filmes de terror. Levar sustos pode ser legal, se você gosta, mas a inquietude que o Uncanny traz é impressionante e quase sempre só o fato de estar ali já cria um desconforto, sem a necessidade do momento do susto em si. É o terror sem pesar nos jumpscares. É como assistir um MV do Dreamcatcher ou o filme Us.
Os últimos minutos de Gonjiam é quando as coisas atingem o ápice do surto. Nada que pensei que fosse acontecer de fato ocorreu. Fui esperando os clichês de sempre e, incrivelmente, recebi eles muito bem trabalhados e retocados com elementos narrativos muito legais. A combinação criou um roteiro que consegue ser diferente mesmo usando receita de bolo. Isso me impressionou, pois mesmo vendo meus elementos estéticos favoritos ali, de nada adianta um visual legal e um roteiro ruim, né? Felizmente, Gonjiam é bem estruturado.
No geral, gosto de levar sustos com filmes, mas prefiro a repulsa da estranheza e, reforço, a trama desta produção é muito boa nesse quesito. Se você quer dar uma chance, Gonjiam está no catálogo da Globoplay ou disponível por aí se der aquela pesquisada™. Recomendo a experiência, mas tente ir sem ler muita coisa. Quanto menos souber, mais interessante será a vivência.