Tivemos a oportunidade de conversar com o Victor Han, o primeiro brasileiro que teve a oportunidade de estrear em um grupo de k-pop, o About U, na Coreia do Sul. Victor foi expulso poucas semanas após o debut por quebrar uma baqueta de bateria em um programa de música, mas esse não foi o fim de sua carreira já que ele trabalha como YouTuber e tem conquistado os programas de televisão sul-coreano.
Em entrevista ao K4US, Victor detalhou sobre sua época como trainee e alguns problemas sofridos como assédio moral e discriminação racial, contou um pouco sobre a relação com seu pai, com quem ficou afastado por 12 anos e revelou uma de suas maiores saudades do Brasil: o abraço! A entrevista completa você pode conferir logo abaixo.
Entrevista
Olá, Victor. Antes de começar, gostaríamos de agradecer a oportunidade de uma entrevista com você. O interesse para produzir esse material vem de longa data, mas só agora sentimos que tivemos a abertura necessária para tal. Para começar, você tem recebido muito amor e apoio dos brasileiros, visto que sua história passou a viralizar nas redes sociais e principalmente no YouTube. Como está sendo receber todo esse apoio?
O Brasil é minha terra natal, o lugar onde nasci. É mais forte do que eu, é o sangue que corre nas minhas veias. Eu me preocupava por estar exatamente do lado oposto do globo, e também por ter uma aparência asiática/mestiça, não sabia se seria discriminado, mas devo confessar que fiquei surpreso quando recebi tanto apoio e carinho dos brasileiros.
Agora falando um pouco sobre o que aconteceu contigo. Você treinou durante oito anos para finalmente debutar, mas apenas três semanas depois foi expulso do grupo por um motivo bem inusitado. Como foi para você lidar com essa situação? Chegou a pensar em desistir da carreira de músico?
Eu nunca tive intenção de largar a música. Seja lá o que eu venha a fazer no futuro; um outro tipo de trabalho ou mesmo uma nova carreira, nunca serei capaz de largar a música. Aquele foi um momento devastador na minha vida, mas eu tentei me manter positivo. Aquele era o momento da verdade onde eu descobri o começo da minha liberdade. E aí eu fiz o que mais gosto; tocar bateria e me expressar livremente na frente das pessoas.
O nascimento do K-Pop é amplamente atribuído ao grupo Seo Taiji & Boys que, em seu debut, foi duramente criticado pela indústria por ter uma postura “rebelde”. No entanto, o trabalho deles se popularizou entre os jovens e, mais tarde, o grupo se tornou referência na música. Você acredita que, assim como nessa trajetória do trio, o público sul-coreano pode ainda se habituar a uma postura mais radical dos artistas, como a que você demonstrou na sua performance?
Pensa comigo, veja como parece bem similar. Independente do que a minha empresa anterior ou alguns canais de TV acreditavam, eu tive total apoio dos meus fãs iniciando um contato direto com eles pelo YouTube. Isso reabriu as portas das emissoras de TV para mim, comigo sendo exatamente como sou e penso. Tudo bem, as emissoras têm um enorme poder, inclusive sobre os artistas, mas acima disso está a grande massa. É ela que aprova ou não o conteúdo.
Ainda sobre esse episódio, sabemos que quebrar baquetas e instrumentos são comportamentos extremamente comuns no cenário do rock. Você acredita que essas expressões mais “rebeldes” podem afastar o gênero da mídia popular? Tem alguma banda sul-coreana que você curte e gostaria de apresentar ao público?
Existem bandas de rock incríveis aqui na Coréia. Muitas delas conseguiram espaço em programas ao vivo na TV, enquanto algumas forçaram um comportamento rebelde aleatório simplesmente para chamar a atenção do público. Assim, as emissoras se protegem roteirizando tudo o que você vai fazer durante o programa. Com isso, foi inevitável o que aconteceu comigo. Me julgaram como inadequado no primeiro momento. O K-pop não é apenas sobre ídolos, como você bem sabe. Bandas de rock como YB e Guckkasten estão indo muito bem até nas TVs. Eu tenho muita influência deles no meu trabalho.
Apesar do que aconteceu, você tem participado muito de programas de TV e rádio. Você se surpreendeu de alguma forma com essa fama? Após sua saída do grupo, foi uma meta conseguir a fama por conta própria como uma estratégia, ou tudo aconteceu naturalmente sem um planejamento?
Acho que tive muita sorte. Era como se todas as minhas estrelas estivessem alinhadas. Eu sofri uma lavagem cerebral para acreditar que eu só teria sucesso se fosse um bom menino seguindo as instruções das empresas anteriores. Então eu tive que suportar coisas horríveis como assédio moral e discriminação racial. Considerando o que realmente aconteceu, que foi quebrar uma baqueta e ficar popular da noite para o dia, você pode ver isso como um plano ou estratégia, mas não foi algo planejado. Para mim esse sucesso foi bastante inesperado. É quase como se as correntes que me prendiam tivessem sido quebradas junto com minhas baquetas, no dia 8 de março.
Em um dos seus vídeos, você alegou que não pretende assinar com nenhuma companhia. Essa decisão tem algo a ver com sua experiência no meio do entretenimento, ou foi influenciada por outros fatores que ainda não sabemos?
Por conta da minha experiência no Showbiz coreano eu falei que, de certo modo, as emissoras de TV se sentem acima dos artistas e acreditam também que estão acima do grande público. Os dirigentes que comandam a indústria de entretenimento coreana há mais de 30 anos tendem a acreditar que sabem o que as pessoas querem. Mas a verdade é que a massa acaba escolhendo o que quer ver. A TV influencia no conteúdo? Sim, mas no final quem decide o que quer assistir é são aqueles que estão em casa sentados no sofá na frente da TV. Se uma empresa me respeitar como um ser humano real, não como um boneco ou mercadoria, claro que vou considerar qualquer sugestão. Infelizmente, a maioria dos trainees é julgada exclusivamente por seu valor de mercado e produto. Então me sinto melhor trabalhando em equipe com meus amigos, que me respeitam.
Pelo fato de você gostar de bateria podemos pressupor que você tem uma raiz musical que nasceu do rock, certo? Já vimos em alguns vídeos seu você dizer que gosta bastante de Led Zeppelin, inclusive. Nos conte um pouco sobre quais bandas de rock fazem parte da sua playlist.
Claro que eu adoro rock, é minha maior influência. Você tem razão, eu adoro Led Zeppelin, Queen e passei boa parte da minha vida ouvindo Green Day, Blink 183, Nirvana, e muitas outras bandas fora do circuito que acho que talvez você nem conheça. Posso dizer que tenho um gosto bem eclético para música. Também curto groove funky do “Two Ton”, mas hoje, basicamente, eu ouço mais K-pop.
Falando sobre uma carreira atual, em agosto, você lançou “Am I”, uma canção com uma letra muito forte sobre se sentir perdido e estranho. De onde veio a inspiração para essa música? No mais, pretende lançar um videoclipe para ela?
Na verdade, “Am I” não é de minha autoria, mas eu achei a letra tão tocante e dialoga tanto com o momento que vivo hoje. Aí eu perguntei para meu amigo se eu poderia lançar essa música no meu álbum e ele permitiu. E claro, pretendo fazer um MV dessa canção!
Ainda sobre seus vídeos, você disse que nunca teve pretensão de se tornar um artista de k-pop, mas sim um baterista profissional. No entanto, acabou debutando na banda About U, que era voltada para o público consumidor do kpop. Seus oito anos como trainee na verdade não eram para se tornar um k-idol? Nos explique melhor esse período de treino. Hoje você se vê como um ídolo ou acha que se encaixaria em outra denominação?
Eu entrei naquela empresa para ser um baterista profissional, não pensei que poderia ser um idol. Eles sempre me diziam que eu era feio e que já tinha passado da idade, que o mercado coreano não iria me aceitar e que o melhor era eu ser “apenas um baterista de uma banda profissional”. Claro que ouvir isso machuca, né? Mas eu não estava preocupado com fama ou qualquer coisa desse tipo. Eu queria mesmo era fazer música, por isso fiquei 8 anos como trainee estudando por conta própria dentro da empresa. Eventualmente, outros caras jovens e “bonitos” se juntaram a empresa e assim eu me tornei o baterista da banda About U. Se eu tivesse que me definir hoje, diria que sou um youtuber, não apenas um youtuber que toca e fala sobre bateria. O conteúdo do meu canal é bem diversificado e eu gosto disso. Poder me expressar livremente e sem “rótulos” não tem preço! Por outro lado, estou tentando conquistar meu espaço como um cantor na cena do k-pop e, com o apoio de vocês, espero poder estar tocando em programas de TV ao vivo novamente.
Há poucos mestiços na Coreia do Sul fazendo sucesso, e alguns já alegaram dificuldades seja para viver em sociedade ou até mesmo na indústria de entretenimento. Em um de seus vídeos, disse que para você é normal, mas que no mundo da música a situação é diferente. Poderia comentar mais sobre?
O que eu quis dizer é que a indústria de entretenimento precisa criar conteúdo atendendo ao gosto das massas e eles acreditam que os latinos ainda não seriam bem aceitos na Coréia. Naturalmente, as empresas não querem correr riscos e por isso não colocam os latinos na linha de frente.
Quando soubemos sobre seu debut, automaticamente lembramos de uma participação sua no programa “Chegadas e Partidas” do canal GNT, onde conta uma emocionante história sobre você e seu pai. Não sabemos se os kpoppers do Brasil sabem dessa participação, mas percebemos que após seu debut o episódio saiu do ar nas plataformas digitais. Pode nos contar, mesmo que brevemente, como um pouco de sua história de vida?
Não pude ver meu pai por 12 anos, 10 anos dos quais não consegui nem mesmo falar com ele. Como você viu no programa de TV, eu encontrei meu pai pelo Facebook e começamos a nos falar por mensagens. Dois anos depois nos reencontramos aqui em Seoul. Eu sempre tive uma atração inexplicável pela música que se intensificava a cada dia, então, fiquei chocado quando descobri que meu pai fazia música profissionalmente. Conforme fico mais velho, encontro meu pai no espelho e muitas coisas passam a fazer sentido. É o poder dos genes. O DNA fala mais alto.Não consigo vê-lo com frequência, mas estamos constantemente em contato para preencher a lacuna desses 12 anos e desenvolver um relacionamento de pai e filho que fomos impossibilitados de experimentar.
Agora vamos falar sobre o Brasil mais uma vez. Seu pai mora aqui e você às vezes faz algumas visitas ao país. O que você mais gosta do Brasil que gostaria que também tivesse na Coreia do Sul? Seja qualquer aspecto cultural, como música, gastronomia ou até mesmo modo de viver.
Abraço brasileiro!!! Eu adoro a cultura do abraço brasileiro, essa forma de expressar a alegria por conhecer ou reencontrar alguém. Eu também adoro a comida brasileira, amo churrasco, feijão e, principalmente, brigadeiro! Sobremesas são abundantes aqui na Coréia, mas eu realmente sou louco por um brigadeiro. Mas caso se tornem popular aqui na Coréia, eu certamente irei engordar. O brigadeiro me traz lembranças da minha primeira infância no Brasil, talvez por isso tenha um significado especial.
Entrevista realizada pelo time K4US | Edição por Jolu | Revisão por Fran
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