Comunidade LGBTQ+ na Coreia: Conheça as lutas. O cenário de uma sociedade tradicionalmente conservadora — especialmente para os padrões não-asiáticos — pode não ser o ideal ou o mais acolhedor para minorias sociais, mas isso não impede que existam e resistam nesse ambiente.
Na Coreia do Sul, especificamente, a luta vem se tornando mais presente e disseminada nos últimos anos. Assistimos, mesmo que de longe, crescer o número de paradas LGBTQ+ pelo país, casais homoafetivos se expressando livremente — até casando, apesar da falta de reconhecimento do estado — e uma crescente representação na mídia.
Mas neste dia 17 de maio, Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, é preciso lembrar também que nem sempre foi assim e que toda uma comunidade de pessoas precisou enfrentar momentos extremamente difíceis para chegar a este local de maior abertura e grandes transformações.
“Eu lidei com isso [o processo de se descobrir gay] até que de forma tranquila, mas, durante a adolescência, eu não podia contar a ninguém que eu era gay. Não podia contar para meus colegas de classe nem para minha família, porque ser LGBTQ simplesmente não era uma possibilidade na Coreia, na época,” explica o artista e ativista Heezy Yang.
Presente na lista “30 under 30” da Forbes, por seu trabalho como ativista social, Heezy Yang é uma das figuras que permite este momento de transformação para a comunidade LGBTQ+ sul-coreana. Seu reconhecimento por um veículo de comunicação tão importante, o coloca no lugar de inspiração, mas antes de ocupar o lugar de inspirar, ele esteve também do outro lado desta relação: “eu diria que minhas inspirações queer e asiáticas foram os empenhados ativistas LGBTQ+.”
Para ele, não há como agradecer o suficiente aos que vieram antes dele e das gerações mais jovens, afinal foram eles que trabalharam para que hoje, os mais novos possam viver com mais liberdade e lutar com mais segurança.
O perigo para a comunidade LGBTQ+ no serviço militar
Mesmo a juventude lgbtq+ sul-coreana pode encontrar dificuldades no caminho. No caso dos homens da comunidade, o perigo pode ser encontrado, inclusive, no tão conhecido serviço militar obrigatório. Isso porque, apesar de não haver uma lei de criminalização para relações entre pessoas do mesmo gênero na Coreia, o artigo 92-6 da Lei Penal Militar pune a atividade sexual entre homens, com até dois anos de prisão.
“O código militar faz mais do que legislar contra atos sexuais específicos; ele institucionaliza a discriminação, reforça as desvantagens sistemáticas das pessoas gays, bissexuais e transgêneros e arrisca incitar ou justificar a violência contra elas nas forças armadas e na sociedade em geral,” explica Heezy Yang.
Segundo o ativista, a perseguição chega ao nível de oficiais criarem perfis falsos em aplicativos de relacionamentos gays, para encontrar esses soldados — tornando o ambiente militar ainda mais orientado pelo medo e por ameaças.
Heezy caracteriza a experiência de serviço militar como “traumatizante” para muitos — senão todos — homens da comunidade, e ele próprio não se sente completamente a vontade para dividir as memórias de seu tempo como oficial. Ainda assim, parte de seu trabalho — tanto como Heezy Yang quanto como Hurricane Kimchi, sua drag queen — é dedicado justamente a luta para um ambiente justo dentro do serviço militar e pela soltura dos oficiais presos por envolvimento com outros homens.
Mulheres e a dupla objetificação
Enquanto homens são especificamente os alvos em bases militares, as mulheres da comunidade também enfrentam perigos característicos de gênero em basicamente todos os ambientes. Além da luta feminista, necessária para combater, entre outros, o grande volume de crimes sexuais que as vitimiza, as mulheres lésbicas e bissexuais também sofrem com a fetichização de relações lésbicas.
Casais de mulheres que dividem suas experiências em plataformas menos restritivas do que a mídia tradicional sul-coreana, por exemplo, vem sentindo isso na pele recentemente. E ao passo que crescem os canais do gênero no YouTube, mais mulheres LGBTQ+ ficam vulneráveis a ter suas imagens exploradas por um olhar fetichista — muitas vezes masculino.
A luta das mulheres inclui ainda o apagamento de suas vivências, principalmente baseado na supervalorização da estrutura afetiva e familiar tradicional e heterossexual. O tema foi, inclusive, explorado recentemente no mini-drama Hello Dracula, e mencionado em entrevista com um casal de mulheres, concedida no ano passado a K4US entrevista com um casal de mulheres, concedida no ano passado a K4US.
Os entraves burocráticos da vida trans e suas lutas
Se a comunidade cis já enfrenta grandes dificuldades, a situação para pessoas trans e não-binárias pode ser ainda mais complicada. Assim como não existe uma lei específica para proteger as pessoas LGBTQ+ na Coreia atualmente, também não há leis dedicadas especificamente para pessoas trans e à garantia dr seus processos de transição.
Para mudar o marcador de gênero nos documentos, a pessoa precisa passar por um processo jurídico, onde o juiz decide se permite ou não a mudança. E mesmo que a mudança seja aprovada, as orientações para que alguém seja reconhecido pelo gênero com o qual se identifica são, no mínimo, controversas.
No lugar de uma legislação que proteja e garanta direitos, a população trans é orientada pelos pontos citados neste vídeo do Youtuber Ryu, do canal Ryu & Ray canal Ryu & Ray. Ele aponta ainda um grande problema dessas orientações: o apagamento de pessoas não-binárias.
Segundo as orientações, a pessoa precisa, necessariamente, performar feminilidade ou masculinidade e se identificar com um dos dois gêneros, ignorando aqueles que não se identificam com nenhum.
Além disso, as medidas são altamente restritivas e impedem que pessoas casadas, pessoas com filhos e quem tem uma condição financeira não muito favorável, vivam suas verdades.
Comunidade LGBTQ+ na Coreia: Conheça as lutas – Casos de lgbtqfobia durante a crise da Covid-19
Além das lutas regulares, a comunidade LGBTQ+ sul-coreana enfrenta, desde a última semana, um preconceito ainda mais pontual, dessa vez, envolvendo a crise da Covid-19.
Um novo crescimento no número de infectados — no país que têm sido apontado, em todo o mundo, como exemplo de combate ao vírus — foi atribuído, por veículos de comunicação locais, aos frequentadores de boates LGBTQ+ da região de Itaewon. Parte da imprensa, inclusive, foi além e revelou identidade, idade e local de trabalho dos clientes desses clubes noturnos.
Ao conectar pessoas LGBTQ+ a um vírus tão perigoso, parte da mídia contribuiu não só para que crescessem declarações preconceituosas, mas para que se instaurasse um ambiente hostil para toda a comunidade local.
A situação fez com que muitos frequentadores das boates de Itaewon se sentissem inseguros de realizar o teste para detecção do vírus, mas também serviu para evidenciar como um ambiente voltado para a comunidade pode ser essencial. Segundo um dos entrevistados pelo jornal The Guardian, a região de Itaewon é o único lugar onde pode ser ele mesmo e conviver com pessoas como ele, por isso foi até lá mesmo durante o período de isolamento — atitude que ele reconhece como um erro.
Outro entrevistado confessou que precisou de uma semana inteira para se preparar para o teste de detecção do vírus: “por fim, eu não estava infectado mas chorei quando recebi a mensagem [com o resultado do teste], não porque eu estava feliz por não estar infectado, mas porque eu realmente odeio ser um homem gay neste país.”
Com a crise de Covid-19 ainda em curso, a parada LGBTQ+ de Seoul, que tradicionalmente acontece em junho, está suspensa e sem data definida. A celebração pode esperar e o atual momento é de luta, especialmente para as comunidades LGBTQ+ de todo o mundo.