Em maio deste ano, a Netflix lançou uma das suas queridinhas do momento: “Com carinho, Kitty” – um spin off dos filmes “Para Todos os Garotos”. Dessa vez, acompanhamos as aventuras de Kitty, a irmãzinha de Lara Jean, na Coreia do Sul. Nos 10 episódios da série, temas como sexualidade e amadurecimento são abordados de forma leve e bobinha. Parece uma trama perfeita para maratonar quando se quer fugir da rotina por um tempo, né? Contudo, assisti a produção do mesmo jeito que o Felca testou a base da Virgínia. E é por isso que pergunto: “Com carinho, Kitty”, mas tá certo isso?
Maratonar a série, por incrível que pareça, acabou virando um processo trabalhoso. No início, achei que seria pura descontração e a curta duração dos episódios tinha me empolgado. Conforme avancei, fui ficando cada vez mais irritada com as coisas que vi. De atuação fraca à conveniências surreais, o que mais me incomodou foi a fetichização gritante da cultura sul coreana. Inclusive, a recepção dos telespectadores da Coreia do Sul não foi muito positiva.
Aos 15 anos, Kitty consegue uma bolsa no KISS, o colégio internacional que sua mãe havia estudado durante o ensino médio e seu namorado frequenta nos dias atuais. A partir disso, uma série de absurdas conveniências acontecem: ir para a Coreia do Sul como se fosse uma viagem de férias para uma cidade vizinha (conveniência 1), ser colocada erroneamente no dormitório masculino, no mesmo quarto do namorado, e ali ficar por um tempo (conveniência 2), invadir os arquivos de um hospital e sair sem penalização (conveniência 3) e outras situações que não vou citar para não dar muito spoilers.
Até aí, tentei relevar. Tinha em mente que “Com Carinho, Kitty” não havia sido feita para uma grande e profunda reflexão sobre os temas abordados. Isso, no entanto, não justifica a utilização de uma narrativa cheia de estereótipos que fetichizam asiáticos. Esse tipo de recurso acaba reforçando o antigo fenômeno da yellow fever (literalmente “febre amarela”).
A yellow fever surgiu há muito tempo, mas foi um termo que ganhou popularidade por volta de 2013, quando o k-pop começou a conquistar mais pessoas. Com o avanço do alcance da cultura sul coreana pelo mundo, por meio da Hallyu Wave, “surge” uma quantidade de pessoas que sentem “atração” por asiáticos.
O que acontece na yellow fever, na realidade, é que a atração não é pela pessoa em si, mas pelo que se é projetado sobre ela. Ou seja, os estereótipos que se construíram sobre aquela etnia é o que atrai o público. Isso retira toda a individualidade de uma pessoa e a reduz a algo similar a um objeto, a uma idealização impossível de ser realizada. Em última instância, a yellow fever é um preconceito e não uma preferência.
Quando a produção de “Com carinho, Kitty” decide adotar uma estética que emula características típicas de k-dramas, como as câmeras lentas em momentos românticos, os mal entendidos por falta de comunicação e o personagem masculino que é gostoso, os episódios endeusam sul coreanos e a cultura da Coreia do Sul de uma forma exagerada, beirando ao caricato. O que é bastante irônico, pois foram poucas as vezes em que elementos culturais verdadeiramente coreanos apareceram. Isso é yellow fever.
Ao meu ver, essa estratégia funcionou mais como uma falta de respeito do que como algum tipo de admiração. Aliás, se eu pudesse personificar “Com Carinho, Kitty”, seria na figura de Madison Miller, a garota branca que vai para o KISS e corre atrás do Min Ho o tempo inteiro. Chega a dar vergonha alheia. E, veja bem, não estou reproduzindo machismo com esse comentário. Meu ponto é o fato de que essa personagem perseguiu o garoto como sasaengs (fãs obsessivos) que perseguem seus idols. E no caso da Madison, isso também é yellow fever.
Outro ponto que acho interessante trazer para a discussão é o fato de que ao apelar para o coração dos dorameiros, mas pecar com a falta de respeito aos sul coreanos, a série me passou a mensagem de querer apenas surfar no hype dos k-dramas e lucrar em cima disso.
Sei que esse texto inteiro pode ser uma grande opinião impopular, mas penso que a reflexão pode ser pertinente. Até que ponto nós, como amantes de cultura sul coreana e asiática, não estamos reproduzindo a yellow fever? De que forma podemos repensar a maneira como colocamos nossas expectativas sobre nossos ídolos?
É curioso que uma série bobinha como essa possa ter causado um turbilhão de pensamentos e reflexões na minha rotina. Nesse ponto, talvez “Com carinho, Kitty” não seja tão ruim quanto pensei (mas só nesse também).
E você, o que achou da série?
Texto por Fran | Revisão por Ana Carol | Equipe de Redação da K4US
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