Devido a acontecimentos recentes, posicionamentos de alguns artistas asiáticos e de notícias que voltam de repente a aparecer nos tabloides e nos jornais nacionais, você, em algum momento, deve ter se perguntado qual seria o grande problema entre China e Hong Kong. 

Pois viemos tentar trazer para vocês qual é, de fato, a intriga que ronda essas duas fortes potências mundiais e tentar explicar o que está acontecendo hoje em dia com as mesmas!

Mas, para começarmos falando do que está acontecendo agora, nós precisamos voltar um pouco no tempo e conhecer a história desses países e o que os levou a chegarem até este momento conturbado e incerto atualmente. Vem com a gente nessa linha temporal?

China e Hong Kong, a problemática entre duas potências

COMO COMEÇOU O PESADELO DE HONG KONG

O pesadelo que começaria em Hong Kong não se iniciou devido aos seus habitantes, mas sim a um país que por nós é muito bem conhecido, a famosa e poderosa Inglaterra. Sim pessoal, Inglaterra! Naquela época ainda não existia o Reino Unido, mas esse papo fica para outro momento ou para você ir pesquisar um pouquinho (risos).

Tudo começou na Era dos Descobrimentos, onde os países europeus começaram a querer conhecer mais sobre o mundo e com isso, consequentemente, eles tinham um objetivo principal que seria de explorar — em todos os sentidos que esse verbo pode ter — outros lugares existentes no globo terrestre. Chegando atrasada no rolê, diferente de seus vizinhos, Inglaterra então começa a correr para estabelecer colônias tanto dentro quanto fora da Europa a partir do século XV.

Naquela época (no final do século XVI e no início do século XVII), esses conjuntos de colônias, mandatos, domínios e territórios eram tanto governados quanto administrados pela Inglaterra. E esse conjunto de protetorados era chamado de Império Colonial Britânico. E é este movimento da Inglaterra que fez o país virar uma das maiores potências globais do século. 

Em determinado momento, a Inglaterra perde suas colônias de povoamento que estavam localizadas na América do Norte, pois os países do continente começam a se revoltar e, devido a isso, conquistar suas respectivas independências do país europeu. Com essa reviravolta, os ingleses começaram a focar de vez nos países asiáticos, africanos e até mesmo os que se localizavam no Pacífico. Nesse momento da história, a Inglaterra já virou o Reino Unido, pois foi logo depois da derrota Napoleônica da França e, posteriormente, o período vitoriano começaria na nação.

Colônias de Povoamento na América do Norte

A GUERRA DO ÓPIO

Dinastia Qing, 1644-1911. É aqui que iniciamos toda a nossa história com Hong Kong, China e o Reino Unido de fato.

O comércio e consumo desenfreado de ópio começou na Dinastia Tangque durou de 618 a 907 — quando os mercadores árabes introduzem a droga no país. Inicialmente, o ópio era muito usado para cunho medicinal e até mesmo os portugueses o vendiam para a China através de Macau. Mas a população só começa a usar a substância como um narcótico no início da Dinastia Qing. E por isso que ela demarca o começo do pesadelo de forma oficial para a China. 

Com o consumo desenfreado do ópio como um narcótico, cria-se um grande pandemônio na saúde e na economia do país, e devido a isso a China proíbe o consumo de ópio permitindo apenas que seja usado para fins medicinais.

Nesse tempo, empresários britânicos contrabandeavam ópio para a China através de Hong Kong, já que o mesmo se encontrava na província de Guangdong, no sul da China, o que facilitava a chegada do Reino Unido. 

Sabendo da proibição da Corte Imperial Qing sobre o ópio, a Grã-Bretanha mandou uma resposta militarizada para o país, o que fez começar de vez a Guerra do Ópio. Exigindo obter um pedido formal de desculpas da China, devido ao confisco do ópio, e uma garantia de segurança para os comerciantes britânicos, o Reino Unido propôs que a China cedesse alguma de suas ilhas para estabelecer esses comerciantes. Foi quando os britânicos, então, ocuparam Hong Kong e começaram oficialmente a guerra contra a China.

Eventualmente, a China perde a guerra e é forçada a assinar diversos tratados — estes sendo tão desonestos e desiguais quanto o motivo inicial dessa guerra. Como o Tratado de Nanquim, que afirmava a entrega de Hong Kong para o Reino Unido, assim como uma quantia de 21 milhões de dólares como “compensação” pela guerra; além de ter sido obrigada a dar abertura de 5 portos importantes, no meio deles estando Shanghai, Cantão, Fuzhou, Ningbo e Xiamen, abrir seu comércio e limitar suas tarifas alfandegárias para os britânicos.

Pintura do Tratado de Nanquim

Com isso, os novos governantes eram nomeados diretamente pelo Reino Unido e estes governadores, vale ressaltar, eram todos lacaios devotos à Coroa Britânica. Leis de estrito controle sobre a imprensa, supressão da liberdade de expressão e toque de recolher para cidadãos chineses eram algumas das muitas leis que começaram a ser implementadas em Hong Kong para os manter na linha do que o Reino Unido queria, além de, é claro, haver punições severas para quem os desobedeciam, como açoitamento ou ir direto para a forca.

Mesmo após o Tratado de Nanquim, o Reino Unido não estava ainda satisfeito — novidade, não é mesmo? — e a coroa começou a pressionar a China a legalizar o ópio, já que eles se negavam a parar de importar o narcótico para o país. Com isso, tem início a segunda parte da Guerra do Ópio, feita agora pelo Reino Unido e pela França (1856-1860) e com sua derrota novamente, a China assinou com os respectivos países o Tratado de Pequim. Neste tratado era legalizado de forma oficial o ópio e a nação também se vê obrigada a entregar um novo território para o Reino Unido: a Ilha de Kowloon.

Juntamente com o cultivo de papoula que vinha da Pérsia e da Turquia e começa a ser introduzido em outros lugares pela Companhia Britânica das Índias Orientais, o monopólio comercial britânico começa a alavancar de forma exorbitante, tendo como foco principal o ópio. E com isso, o narcótico se torna uma das bases mais fundamentais para o poder econômico e, consequentemente, social do Reino Unido na China e na Ásia em si. 

Contudo, com a chegada da Revolução Industrial e com empresas querendo um livre comércio para conquistar novos mercados e render mais, a Companhia Britânica se vê obrigada também a começar a abandonar o monopólio que montaram. 

Uma recomendação pessoal que faço para vocês, se quiserem é claro, terem uma percepção mais próxima e diferenciada deste conflito é ler o livro A Guerra da Papoula da escritora, tradutora de mandarim, mestra em Filosofia da área de Estudos Chineses (Cambridge), Estudos Chineses Contemporâneos (Oxford) e doutoranda em Literatura e Línguas do Oeste da Ásia (Yale): K.F. Huang. A Guerra da Papoula é uma trilogia lançada no Brasil pela editora Intrínseca de fantasia e ficção que se passa durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, no século XX na história militar chinesa, sendo a história construída na época da ascensão de Mao Tsé-Tung ao poder e mostrando, de forma muito crua e honesta, os malefícios da Guerra do Ópio e as consequências tenebrosas e desumanas que uma guerra traz para a vida dos seres vivos.

Com isso, Hong Kong chega no século XIX completamente arrasada. Uma cidade onde a venda e o consumo de ópio são liberados sem uma fiscalização adequada, além de traficantes e salas de jogos de azar em abundância. Não possuindo saneamento básico, suas infraestruturas eram tão precárias que nem chegavam perto de serem consideradas uma infraestrutura de fato e as famílias originárias da cidade moravam em lugares tão pequenos que não cabiam quase nem 2 pessoas. Se narra ainda que as casas onde as famílias de Hong Kong moravam pareciam mais com uma prisão com superlotação.

E além de tudo isso, ocorria, também, outro tipo de tráfico que começava a ser popularizado: o de mulheres e crianças. Muitas mulheres e crianças chinesas de portos que foram abertos para estrangeiros e seu ópio passarem livremente, eram raptadas e levadas para Hong Kong, ou outras colônias do Reino Unido, no intuito de serem prostituídas. 

Há também registros onde os próprios chineses vendiam seus filhos mais novos ou filhas mais velhas para terem como sobreviver tamanha era a miséria que se vivia naquela época. Chamadas de Mui Tsai, as mulheres chinesas se tornaram propriedade dos britânicos e dos chineses da elite que as comprassem. O fim desse tráfico horrendo, que guarda muitas cicatrizes até os dias atuais na história da Ásia, só foi formalizado como lei em 1923. Entretanto, vale ressaltar, que todas as crianças e Mui Tsai que foram compradas antes dessa lei continuaram sendo propriedade das pessoas que as haviam comprado.

Os europeus recebiam moradia gratuita do governo ou um subsídio de moradia, obtinham a reforma aos sessenta anos de idade, sendo que vinte por cento do seu salário anual incluía juros que eram pagos na reforma, recebiam viagens gratuitas (até seis pessoas) de volta à Europa, de dois em dois anos, e obtinham um pagamento parcial das mensalidades pagas para as crianças frequentarem escolas particulares, na Europa

Klein, 1995

E NASCE A REPÚBLICA POPULAR DA CHINA E A LUTA POR HONG KONG

Em 1949, o governo chinês, tendo Deng Xiaoping no poder, começa a alegar que Hong Kong é, e sempre foi, um território chinês e que não reconhecia os tratados desiguais que foram impostos pelo Reino Unido.

Mas é somente em 1964 que a China vai protestar de forma efetiva contra os estrangeiros invadindo Hong Kong, no ápice da Guerra do Vietnã. Em uma nota, o país denunciava o seguinte: 

O complô do governo britânico que colabora com o imperialismo americano contra a China e que continua a oferecer Hong Kong aos EUA como uma base para sua agressão ao Vietnãé inadmissível. 

Resumindo todo esse conflito: os habitantes originários de Hong Kong não eram considerados como povo do Império Britânico e não recebiam e nem desfrutavam de absolutamente nenhum direito como os britânicos que invadiram seu território gozavam.

Nasce então um projeto chamado “Um país, dois sistemas”. Querendo defender uma ideia de uma solução pacífica, Xiaoping sugere com esse plano a ideia de que a China seria apenas uma só, mas ainda aderindo o socialismo com uma economia capitalista, enquanto Hong Kong, Taiwan e Macau seriam capitalistas “existentes”. Ou seja, seriam capitalistas não só em sua economia como era a China, mas também no seu social.

Sob este plano, a China e o Reino Unido chegaram a assinar um documento em 1984, depois de anos de negociação, a Declaração Conjunta Sino-Britânica.

Por fim, Hong Kong se torna de forma oficial parte da China de uma forma um tanto quanto independente e ficou conhecida como Região Administrativa Especial de Hong Kong. O retorno de Hong Kong para suas mãos, faz com que a China acredite que irá realizar a unificação completa de sua pátria em um futuro não tão distante.

OS PROTESTOS DE 2019 EM HONG KONG

Antes de começarmos a explicar a loucura que foram os protestos que tomaram conta de Hong Kong em 2019, nós precisamos explicar para vocês o que é o NED!

NED (National Endowment For Democracy – Fundo Nacional Para a Democracia) é uma fundação privada sem fins lucrativos organizada pelos Estados Unidos que tem como objetivo promover a democracia em outros países, dedicando-se com isso a promover instituições políticas e econômicas — exemplos disso seriam mercados livres, grupos empresariais, partidos políticos e sindicatos — e com isso, o NED passou por vários países como: Líbia, Iraque, Ucrânia, Afeganistão e chegou até a financiar grupos políticos de chineses, kosovares e venezuelanos. Mas, no fundo mesmo, o NED na verdade tem um foco bastante curioso em financiar partidos de oposição separatistas e extremistas dos governos que eles não estão lá muito contentes com, tentando assim garantir uma governança pró Estados Unidos

A Hong Kong Confederation of Trade Unions recebe subsídios do NED. Em Outubro de 2014, documentos da Wikileaks revelam, aliás, que o Departamento de Estado dos EUA, através do NED, financia o movimento Occupy Central.

Fischer, 1968, p. 317

É algo muito “curioso” de se questionar e observar aqui que vários líderes dos protestos que ocorreram em 2019 em Hong Kong vieram diretamente de Washington DC para apoiar os protestos, o que mostra, mais uma vez, o interesse no capital e nos financiamentos que Hong Kong pode oferecer a eles. Além do NED, a Fundação Rockefeller, Ford e organizações financiadas pelo Soros, assim como várias outras corporativas e igrejas cristãs estão por trás dos panos de uma grande rede que financiou e organizou os protestos feitos em Hong Kong. 

Fazendo-se uma pesquisa minuciosa era possível ver que cargas e mais cargas de caixas chegavam para os protestantes em Hong Kong, e essas caixas continham kits de pequenos explosivos, coquetéis molotov, bombas caseiras, máscaras de proteção para respirar, proteção para os olhos devido à bombas, soro, luvas, álcool e por aí se seguia…

O que nos faz perguntar: quem financiou esses equipamentos? Quem os levava até Hong Kong e os distribuía para os protestantes?

Protesto em Hong Kong, 2019

É interessante também avaliar que os habitantes de Hong Kong que estavam na frente desses protestos, em sua grande maioria, pediam reivindicações para a nação, mas não para os setores mais pobres ou para a parte da população que mais necessitava, e sim para a própria elite do país.

Vale ressaltar que Hong Kong é um território onde uma grande parte de sua população é composta, na verdade, por mulheres que vêm da Indonésia e das Filipinas para trabalhar em casas de família de classe média alta ou ricas. E esses trabalhos beiram, muitas vezes, à escravidão devido aos maus tratos que recebem, como um salário baixíssimo e subnutrição.

Parece, pois, que os pró democratas de Hong Kong não são, apenas, desmemoriados, esquecendo o que foi a cruel e imperial colonização britânica, mas também fazem jus à democracia da Antiga Grécia: democracia, sim, para alguns. Os escravos, precisam-se

Saldanha Ana, Brasil De Fato, 2020

ENTÃO, FAZ SENTIDO HONG KONG FICAR, ATUALMENTE, SOB O PODER DA CHINA?

A China, atualmente, possui 3 fatores de extrema importância que a fazem se interessar em Hong Kong. O primeiro deles é os investimentos feitos na reforma chinesa, já que Hong Kong constitui cerca de 60% em investimentos externos diretos da China. Enquanto Taiwan, por exemplo, possui 10%, Japão e EUA 6%.

O segundo ponto é que Hong Kong superou o Japão se tornando o principal parceiro comercial da China e, o que entra como terceiro ponto, o seu papel como intermediário entre essa locomoção do comércio de commodities e serviços, indo do financeiro até mesmo o turístico, tem sido extremamente crucial para a dona China. Com isso tudo dito, é importante para a China manter Hong Kong consigo e por isso eles querem manter essa relação pacífica e cordial durante a transição de Hong Kong ao domínio chinês de forma definitiva.

Todavia, o que a população de Hong Kong alega — tirando os protestantes que foram financiados pelos EUA, embora estes também embarcam nessas questões para passar uma credibilidade maior — levanta a preocupação da ideia de soberania que a China possa exercer em Hong Kong, fazendo com que o país perca sua autonomia e tenha que se submeter a servir o governo chinês, também, a aderir ao partido comunista.

O que nós podemos confirmar para vocês é que a situação de Hong Kong é extremamente delicada e, no final do dia, nós também não podemos ir para Hong Kong e dizer que tudo será um oásis nas mãos do governo chinês. No entanto, fica evidente que ir na onda dos interesses de vários países estrangeiros, especialmente ocidentais, que desejam continuar explorando Hong Kong e esse conflito, por si só, também não é uma alternativa viável.

Continuam sendo tempos difíceis para a Região Administrativa Especial de Hong Kong e nós apenas esperamos que eles não saiam muito prejudicados disso tudo. Afinal, sua história já mostra o tanto de dificuldades que eles já passaram e que não há necessidade de continuarem nesse caminho.


Texto por Annyie  | Revisão por Fran Equipe de Redação e Tradução da K4US
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Referências Bibliográficas: https://www.brasildefato.com.br/2020/04/10/hong-kong-de-colonia-britanica-a-ponta-de-lanca-contra-a-republica-popular-da-china, http://recife.china-consulate.gov.cn/por/zlghd_3/202207/t20220703_10714561.htm#:~:text=Sob%20a%20estrutura%20de%20%22Um,Administrativa%20Especial%20de%20Hong%20Kong., https://www.pucsp.br/geap/coordenador/osignificadovoltahongkongchina.PDF, https://www.intrinseca.com.br/livro/1178/