Um olhar de pena ou de julgamento tornaram-se naturalizados quando pensamos em pessoas com deficiência, mas deveria ser assim? Baek Ji Yoon assume os palcos como “Kelly”, personagem da peça “Jellyfish”, para mostrar que, para além da síndrome de down, ela é uma artista brilhante e que merece a atenção dos holofotes!

Em entrevista ao The Korea Times, a atriz conta que era vista apenas como uma pessoa com deficiência (PcD), sempre querendo fugir ao ser recebida com olhares negativos ao seu redor. Contudo, com “Jellyfish”, peça dirigida por Min Sae Rom, Baek ultrapassou essa barreira e demonstrou que a deficiência não a define. 

“Jellyfish” destaca a diferença 

Escrita por Ben Weatherill, “Jellyfish” (“Água-viva”, em tradução livre) traz uma narrativa pouco comum para os palcos sul-coreanos. A história conta sobre a vida de Kelly, uma jovem de 27 anos com síndrome de down que decide engravidar do namorado, Neil, que não tem deficiência. A decisão deixa a mãe, Agnes, abalada, uma vez que não acreditava na independência da filha e achava que a mesma estava sendo manipulada pelo namorado.

Ensaio entre Baek Ji Yoon (Kelly) e Jung Soo Young (Agnes).

A peça explora os preconceitos em relação às pessoas com deficiência, até mesmo em um contexto familiar, buscando convidar o público a olhar com mais humanidade para um tópico que, muitas vezes, é ignorado. Talvez, após assistir, muitas pessoas se toquem, assim como Agnes, que sua percepção está errada.

– Sinto muito. Eu estava errada.
– Não precisa se preocupar. Eu estou bem. – Diálogo entre Kelly e sua mãe. 

A arte enquanto forma de inclusão 

Na perspectiva médica, “deficiência” é definida como um resultado de elementos ou características patogênicas presentes no organismo do indivíduo. Para autores das ciências sociais, como Sadao Omote, ainda que essas condições gerem certas incapacidades, o que muitas vezes impede uma pessoa com deficiência de desenvolver habilidades e subjetividades não é o corpo, mas sim uma sociedade que a exclui e estabelece metas e normas que não acolhe a diversidade. 

Não só a sociedade cria essa perspectiva, quanto a própria pessoa com deficiência acaba incorporando esse papel que a identifica como diferente e estranha:

No passado, eu odiava a palavra ‘síndrome de down’ e achava que vocês estavam zombando de mim, mas agora aceito que tenho síndrome de down. Estou confiante de que posso mostrar que um ator com síndrome de down também pode atuar no palco. – Ji Yoon em entrevista ao The Chosun Daily. 

Restritos à posição de interação social com poucas pessoas, alguns têm poucas oportunidades de desenvolver diferentes habilidades e descobrir interesses próprios. A arte, nesse sentido, se torna a porta para construir essa individualidade.

O trabalho artístico incentiva o desenvolvimento da imaginação, criatividade e habilidades, expressando a singularidade de cada indivíduo e trabalhando com as emoções desses, contribuindo para a inserção social de pessoas com deficiência.

Equipe de produção de Jellyfish.
Coletiva de imprensa de “Jellyfish”.

Por isso, produções como “Jellyfish” são importantes, por garantirem um espaço inclusivo para pessoas com deficiência, que são, muitas vezes, marginalizadas em atividades artísticas por conta da visão preconceituosa de que essas pessoas não podem fazer arte:

Até agora, a vida das pessoas com deficiência na Coreia não foi tratada como objeto de arte, nem reconhecida como objeto de atividades artísticas. A igualdade na arte entre pessoas com e sem deficiência será um indicador de cultura avançada no futuro, e estamos experimentando padrões e conhecimento para isso enquanto nos preparamos para ‘Jellyfish’. – Oh Se Hyung para a The Chosun Daily. 

Por que Baek Ji Yoon?

A escolha de Baek Ji Yoon para a personagem principal não foi aleatória. A produção, querendo entregar a profundidade e emoção das questões que Kelly enfrenta, sabia que uma atriz com síndrome de down era essencial para compreender como é a vida e características de uma pessoa com a deficiência, se livrando de preconceitos.

Do diretor aos outros atores e membros da equipe, eles [atores com deficiência] entendem o corpo, a linguagem e as emoções da pessoa com deficiência de desenvolvimento e criam uma arte completamente diferente, nunca vista antes. – Oh Se Hyung, diretor do departamento de operações teatrais da Modu Art Theater, para o The Chosun Daily

A atriz de 33 anos já participou de outras produções antes da peça. Em 2010, a jornada contra a discriminação no balé foi retratada em um documentário especial e, em 2013, ela apresentou o solo “Giselle” na abertura das Paraolimpíadas de PyeongChang. Ela também participou dos k-dramas “Go Go Song” (2019) e “Our Blues” (2022), trazendo maior visibilidade para atores com deficiência. 

Mesmo com experiência nas telinhas, Ji Yoon admitiu que a peça foi um desafio, principalmente por ter que fazer contato visual com o público e também para memorizar e pronunciar com clareza o roteiro. Ainda assim, com o apoio da produção, ela entende que foi um papel importante para sua vida:

Ouvir as palavras de incentivo e apoio do diretor e de outras pessoas ao meu redor me fez sentir a sinceridade deles. Parece que meus preconceitos e barreiras em relação às pessoas sem deficiência diminuíram muito. Eles gostam realmente de mim e as palavras do diretor me transformaram. Com essa peça, o que mais mudou fui eu. – Contou em entrevista ao The Korea Times.

O teatro, segundo a atriz, é sua grande paixão, em partes por conta do tempo limitado de tela que atores com deficiência recebem em produções da TV. Baek já revelou em entrevistas que quer continuar atuando em peças teatrais, mas assumindo diversos personagens que não se limitam à deficiência, com carismas e intensidades vistos em produções famosas.

Quero mostrar que as pessoas com deficiência também podem atuar e brilhar no teatro. Não se trata apenas de um desejo pessoal. Trata-se de demonstrar o milagre e a possibilidade de crescimento contínuo – Comentou na mesma entrevista.

O desejo da atriz revela como raramente personagens com deficiência são retratados no palco, ou nas telas, vivendo vidas plenas e autênticas, ainda que queiram o mesmo que pessoas não deficientes: amor, independência e respeito.