Na última terça-feira (20), foi ao ar o último episódio de “A Esposa do Meu Marido”. Sucesso de audiência no Prime Video, o k-drama da tvN marca o retorno de Park Min Young às telas e entrega uma trama que consegue misturar ficção científica, viagem no tempo, vingança, relacionamentos abusivos e muito drama típico de boas novelas brasileiras.
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Sabia que a produção seria um sucesso a partir do momento em que vi a escalação de Park Min Young para o papel de Ji Won. Confesso, sou fissurada na atriz. Contudo, digo com convicção que a estrela de “A Esposa do Meu Marido” é, na verdade, Song Ha Yoon, a vilã. Servindo uma atuação impecável, com direito aos maiores surtos seguidos de mudanças bruscas de expressão, Song consegue ser, por falta de melhor termo para definição, fragmentada.
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Diria que sua forma de atuar encaixa perfeitamente ao ato de trair. Suas ações, ao lado das do personagem de Lee Yi King (outro querido que também arrasou), são o gatilho responsável pela viagem no tempo da protagonista.
Quando Ji Won vai de 2023 para 2013, ela precisa se reinventar. E faz isso com gosto. Aprendi várias coisas com ela nesse processo de autodescoberta da personagem. Relembrei o quão machista a sociedade sul-coreana era e, obviamente, ainda é, mas em 2013 comportamentos que hoje são questionados, eram totalmente normalizados por lá. No entanto, o que de longe mais me chocou foi o fato de que, até 2015, o adultério era criminalizado na Coreia do Sul. Sim. As pessoas eram julgadas, condenadas e até presas por trair.
Foi apenas em 26 de fevereiro de 2015 que o mais alto tribunal sul-coreano derrubou a lei de 1953 que previa até dois anos de prisão para os adúlteros. “O adultério deve ser considerado imoral, mas o poder estatal não deve intervir na vida privada dos indivíduos”, disse o juiz Park Han Chul em entrevista para o jornal britânico The Guardian.
De acordo com a reportagem feita pelo G1 na época em que a lei caiu, o número de condenações foram diminuindo progressivamente conforme os anos foram passando. Contudo, é importante ressaltar que elas ainda aconteciam.
Segundo o juiz Seo Ki Seok, “a lei é inconstitucional, pois viola o direito das pessoas de tomar as próprias decisões de sua vida privada sobre sexo, sigilo e a liberdade, violando o princípio que proíbe a aplicação excessiva nos termos da Constituição”.
Distantes, mas não tão diferentes assim
Refletir sobre o que significa ser preso em 2015, século XXI, por trair o cônjuge traz uma sensação de espanto, às vezes seguida até de indignação, certo? Mas não era apenas a Coreia do Sul que julgava até recentemente seus cidadãos por adultério.
No Brasil vigorou até 2005 a mesma lei. Não exatamente nos mesmos termos, mas seguindo a mesma lógica. Conforme explica Antoniê Marafiga Costa, advogada criminalista no Rio Grande do Sul, o direito penal prevê a proteção de bens jurídicos considerados mais relevantes em uma sociedade e expostos na Constituição do país. “À época de sua elaboração, a criminalização do adultério foi fundamentada na importância da exclusividade sexual entre os cônjuges para a organização da vida familiar, que foi tida como um interesse de ordem social”, explica a advogada. Portanto, ir contra esse interesse era, em última instância, contrariar a própria Constituição brasileira.
Apesar disso, a lei foi instrumentalizada com dificuldades. Já em 1940, com o desenvolvimento do Código Penal Brasileiro, o adultério como ato criminoso foi questionado, demonstrando a falta de identificação da sociedade com o delito. Além disso, sua aplicação era complexa, com uma série de pré-requisitos, como o fato de que somente o cônjuge ofendido poderia propor a ação, por exemplo.
“Com o passar das décadas, a intervenção penal na vida conjugal sob a alegação de defender a família e o casamento foi perdendo a razão de ser, e o adultério passou a ser visto mais como um ilícito civil, ensejador de indenização, e menos como uma ilícito penal (…) Assim, como a esfera civil, principalmente em direito de família, se mostrou capaz de solucionar os conflitos decorrentes de adultérios (e já vinha sendo a única via utilizada para isso), em 2005 ocorreu apenas a formalização do que já acontecia na prática” conclui Costa.
Parece, então, que o Brasil e a Coreia do Sul seguiram os mesmos passos no final das contas. A diferença principal é que entre os dois países há uma lacuna de 10 anos, mas isso não é exatamente um motivo para comemoração. Ainda é surreal que até pouquíssimo tempo atrás pessoas eram condenadas por trair.
Sendo justa, é óbvio que traição é algo complicado e que magoa as partes envolvidas, mas todos conhecemos alguém que já fez, certo? Logo, se voltássemos no tempo como a Ji Won, todos nós poderíamos ver um conhecido condenado e, por isso, reitero: surreal.
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