Lançado em 2017, “A Taxi Driver” trouxe uma abordagem a respeito do Massacre de Gwangju, que ocorreu no ano de 1980, contando com atores renomados como Song Kang Ho, Ryu Jun Yeol, Thomas Kretschmann e Lee Jung Eun. O filme tem como inspiração um grupo real de taxistas que participou ativamente em uma das manifestações que compuseram o Massacre de Gwangju e nos conta a história através de Kim Man Seob (Song Kang Ho), um taxista viúvo que cria sua filha sozinho na cidade de Seul.
Endividado com o aluguel devido aos altos gastos com o hospital, da época em que sua esposa esteve doente, Kim vive preocupado com dinheiro. Nesse contexto, ele acaba sabendo a respeito de uma corrida com bom pagamento, em direção à Gwangju, para o jornalista alemão Jürgen Hinzpeter (Thomas Kretschmann).
Ao contrário de Hinzpeter, que é mostrado como um homem íntegro e politicamente determinado, Kim é construído inicialmente de maneira alienada pela narrativa do filme, não demonstrando nenhum interesse na luta política em que o país está inserido, duvidando da violência por parte dos militares e direcionando críticas aos estudantes que enchem as ruas pedindo por democracia. Entretanto, isso muda quando o personagem passa a ter maior contato com os cidadãos de Gwangju, principalmente com o estudante Jae Sik (Ryu Jun Yeol) e o taxista Tae Su (Yoo Hae Jin).
Nesse momento, o filme passa a construir um ambiente de “brotheragem” entre os personagens masculinos, que se dá a partir da exclusão das mulheres. Enquanto os homens ocupam o lugar de revolucionários, trabalhadores, pais carinhosos e heróis da nação, as mulheres são colocadas em papéis de submissão, com pouquíssimo tempo de tela.
Elas passam a ser excluídas não só dos processos políticos que levam ao Massacre de Gwangju, mas também da construção da narrativa principal, tendo em vista que não possuem nem mesmo nomes designados. A elas são reservados os títulos de “mãe” e “esposa” de personagens homens. Dessa forma, o enredo constrói a exclusão e a marginalização das mulheres como sujeitos políticos ativos para que possa criar uma solidariedade e união masculina.
Esse ocorrido foi apontado diversas vezes por pesquisadoras do tema, que questionam onde estão retratadas as vivências das mulheres que lutaram ativamente durante as manifestações do Massacre de Gwangju e todo o processo de luta pela democracia na Coreia do Sul. Ao contrário do que é retratado no filme, é sabido que elas desenvolveram papéis cruciais durante esse acontecimento, como, por exemplo, na divulgação da revolta e no cuidado com os mortos e feridos, porém essas histórias seguem sendo apagadas de várias maneiras, inclusive no cinema.
Assim, apesar de sua grande importância para o mundo fílmico, “A Taxi Driver” constrói uma narrativa que retrata as mulheres como elementos dispensáveis para o desenvolvimento da história, silenciando e as excluindo não só do tempo de tela, mas também dos processos políticos, reproduzindo estereótipos de gênero e colaborando com a masculinização do Massacre de Gwangju, fato que ocorre também fora das telas.
E afinal de contas, o que foi o Massacre de Gwangju?
Logo após o assassinato do ditador Park Chung Hee, em 1979, o primeiro-ministro Choi Kyu Ha passou a assumir a presidência, prometendo novas eleições devido à grande pressão popular. No entanto, o país estava sob a Constituição Yushin, estabelecida por Chung Hee, que dava maiores poderes ao presidente e previa eleições indiretas, resultando em grande descontentamento por parte da população, que demandava democracia e participação.
Nesse contexto de instabilidade política, o general Chun Doo Hwan emergiu com o poder em mãos, ampliando a lei marcial que já estava em vigor e reprimindo violentamente qualquer oposição, passando a ser o novo ditador da Coreia do Sul e destituindo Kyu Ha de sua posição.
Em reação ao novo governo ditatorial, a população foi às ruas em defesa da democracia, reivindicando direitos sociais e trabalhistas, o encerramento da lei marcial, liberdade de imprensa e o fim da ditadura de Chun. Essas manifestações também chegaram à cidade de Gwangju e foram reprimidas de maneira extremamente violenta pelo Comando de Guerra Especial do Exército da República da Coreia (ROK-SWC), sob o comando de Doo Hwan.
Junto disso, a cidade foi ocupada por militares, teve suas universidades (Chonnam e Chosun) fechadas e seus meios de comunicação cortados. Ainda assim, a população de Gwangju seguiu em luta contra a opressão, incendiando inclusive o prédio pertencente à sede local da MBC (Munhwa Broadcasting Corporation), acusando a emissora de disseminar informações falsas a respeito do que estava ocorrendo em Gwangju.
As manifestações duraram do dia 18 ao dia 27 de maio de 1980, resultando em diversas mortes, torturas, estupros e desaparecimentos, constituindo, assim, o Massacre de Gwangju, ou Movimento Democrático de Gwangju. Esse acontecimento desenvolveu, então, um papel marcante na luta pela democracia, contra um governo repressivo e violento, exercendo grande impacto político na história da Coreia do Sul.
Dessa maneira, o Movimento Democrático de Gwangju abriu caminho para outras manifestações que foram ganhando cada vez mais força nos anos 80 e conseguiram, em 1987, acabar com a ditadura de Chun Doo Hwan e trazer a democracia para o país.
Referências bibliográficas
KANG, Hyun-ah. Women’s Experiences in the Gwangju Uprising: Participation and Exclusion.
LEE, Jae-eui. Gwangju diary: beyond death, beyond the darkness of the age.
LEE, Myung-sik. The History of Democratization Movement in Korea.
2022/12121-6, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade da autora e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.