Você conhece os BLs? Para quem não sabe, Boys Love (BL) — em tradução literal “Amor Entre Garotos” — são dramas ou séries que focam em relacionamentos românticos entre homens, originados do gênero japonês de quadrinhos Yaoi. E por conta desse estilo de conteúdo ter ganhado bastante popularidade e se ampliado quase que no mundo todo nos últimos anos, percebemos que a Coreia do Sul não ficou atrás. Pelo contrário, o país vem se destacando na quantidade e, principalmente, na qualidade das produções BL.

Isso só foi possível com a aceitação do público, que tem sido imensa. A exemplo disso, nos últimos anos, tivemos BLs incrivelmente populares em público e crítica, como A Shoulder to Cry On (2023), Roommates of Poongduck 304 (2022), The Eighth Sense (2023), Our Dating Sim (2023), Sing My Crush (2023), Semantic Error (2022) e Love for Love’s Sake (2024). Importante dizer que esse último é atualmente o BL coreano mais bem avaliado na lista geral do MyDramaList, ficando atrás somente das produções chinesas The Untamed (2019) e World of Honor (2021), e da tailandesa I Feel You Linger in the Air (2023).

Pôster da série The Eighth Sense.

E na Coreia do Sul, a projeção dos atores de BL tem sido tão grande por conta da relevância de produções LGBTQIAP+, assim como do próprio “boom” da onda coreana de entretenimento pelo mundo, que muitas vezes até mesmo k-idols entram no segmento como uma forma de ganhar visibilidade enquanto desenvolvem suas carreiras na atuação. Mas será que essa fama pode ter efeitos negativos?

Apesar de demonstrarem ser super receptivos e mente aberta em k-dramas e programas de entretenimento, onde, inclusive, a indústria do k-pop incentiva o “skinship” e “bromances” (interação física e um leve clima de romance entre rapazes, respectivamente), não se engane, porque a Coreia do Sul possui uma sociedade bastante conservadora quando o assunto é a comunidade LGBTQIAP+. Em alguns casos, você pode até encontrar quem acredite piamente que nem mesmo pessoas queer existem na Coreia, o que é um dado totalmente chocante se você parar para pensar que muitas tendências sociais e opinião pública parecem bastante progressistas.

Como menciona a influencer sul-coreana Su Yu Yang, “Como eu já disse anteriormente, LGBTQIA+ é difícil sair do armário no Brasil. Lá na Coreia, é como sair do cofre do Banco Central. Tem que ir contra a família, contra a sociedade, romper muitas, muitas, muitas barreiras. Mas é um processo. (Nós, coreanos) Estamos caminhando.”

E essa questão também acaba refletindo nos k-dramas, de acordo com a proporção e como tal ator vai ser visto. Por isso, artistas que aceitam esses tipos de papeis podem sofrer algum tipo de preconceito ou ter sua imagem afetada, afinal, ainda existe um tabu em torno da representação LGBTQIA+ na mídia em algumas partes do mundo, e a Coreia do Sul não é exceção. E o mundo do entretenimento é competitivo, qualquer coisa que possa afetar sua imagem profissional precisa ser levada a sério. Alguns artistas podem hesitar em participar de produções BL com medo de serem rotulados ou limitados em papeis futuros.

Em entrevista ao Sports Khan, em 2022, Jaechan explica que a sua empresa não queria que ele fizesse um BL.

Contudo, quando digo “imagem afetada”, o próprio ator vai interpretar se isso é positivo ou negativo para ele, pois é possível que entrando nesse meio seja muito mais fácil que outras propostas similares cheguem. Assim como podem surgir fãs do casal do BL (shippers), páginas dedicadas a eles, entrevistas de elenco voltadas para o público fujoshi/fudanshi (termos japoneses utilizados para quem consome produções boys love), fan meetings do casal, além de ficar marcado no seu portfólio. Se nada disso for o que o ator deseja, então com certeza haverá um incômodo.

E isso explicaria, por exemplo, por que alguns deles simplesmente escolhem não mencionar que participaram de um Boys Love e tentam fazer com o que os fãs esqueçam também.

Foi o caso recente do Choo Young Woo, um dos protagonistas de You Make Me Dance (2021), que simplesmente debutou nesse BL e nunca mais o mencionou como um de seus trabalhos antigos. Em 2023, ele levou o prêmio de Ator Novato do Ano no KBS Drama Awards por sua atuação em Once Upon a Small Town (2022), e por seu discurso de agradecimento, o público se deu conta de que o antigo K-BL foi esquecido no rolê, o que rendeu diversas críticas a Young Woo internacionalmente, pois o público se sentiu ignorado.

E os problemas não acabam por aí. Há quem considere que muitos atores sul-coreanos trabalham nesse segmento unicamente para pagar as contas, porque nem mesmo concordam com o trabalho. Como se atuar em um BL fosse um tipo de shady work, um trabalho de “segunda categoria” que só atinge uma pequena bolha e não devesse ser levado a sério por ser “vergonhoso”.

O pior é ver que recentemente a indústria de entretenimento sul-coreana demonstrou ainda pensar desse jeito. A produção do k-drama High School Return of a Gangster, lançado em fevereiro, decidiu adaptar a webtoon para seriado retirando qualquer indício de BL, sendo que a história gira em torno do romance dos rapazes. Mas fica pior. A desculpa dos produtores foi que a indústria BL “não conseguiria garantir o sucesso da série”.

Quem acompanha os lançamentos de BLs e assistiu a proporção que eles vêm ganhando, sabe que não dá pra falar esse tipo de barbaridade. A grande popularidade é gritante nas redes sociais, assim como o dinheiro movimentado por essas produções.

É difícil de aceitar uma resposta dessas quando se tem exemplos como “Semantic Error”, que ainda é um sucesso de vendas em manhwa e visualizações da série mesmo depois de 2 anos, e quando outro K-BL recente, “Love for Love’s Sake”, foi um surto nas redes sociais, com direito a esgotar os ingressos do fanmeeting coreano em incríveis 10 segundos. E, mais recentemente, foi anunciado que o drama entrará na grade da Netflix Korea em primeiro de maio.

Um dos protagonistas de Love For Love’s Sake, o ator Lee Taevin, compartilhou no Instagram um print do mapa de assentos esgotado do seu fanmeeting logo após a abertura das vendas.

Que a maior parte dos papeis LGBTQIAP+ são interpretados por héteros no mundo Boys Love, a gente consegue entender, porque nos bastidores ainda falta bastante diversidade. Mas nós temos, sim, muitos motivos que nos deixam felizes por acompanhar essas produções.

Não é de hoje que uma das maiores exportações culturais da Tailândia, por exemplo, é de produções Boys Love, sem contar vários atores que ganharam uma visibilidade imensa por conta dos BLs chineses e japoneses que estrearam menores e despontaram nessa ou em outras carreiras do entretenimento. E a Coreia do Sul, por ter ganhado um espaço maior no segmento, tem se esforçado para entregar histórias interessantes e dar voz a autores de manhwa do país, finalmente se aventurando por um fatia do público que ainda não tinha sido tão visada.

Para os próprios atores, participar dessas séries pode ser uma oportunidade de explorar novos desafios, expandir seu repertório e demonstrar sua versatilidade e talento. O que é totalmente justo, mesmo que eles não pretendam seguir no ramo. Por isso, é cada vez mais comum ver um k-idol atuar ou até mesmo fazer parte da trilha sonora de um Boys Love.

“My Fault”, cantada por BAIN (JUST B), faz parte da trilha sonora de Sing My Crush, BL sul-coreano que estreou em 2023.

Mas além disso, as séries BL podem abrir portas para discussões importantes sobre igualdade e inclusão, ampliando a compreensão e aceitação da diversidade sexual. O que por si só já é um motivo extremamente válido, porque mostrar esses relacionamentos entre homens de uma forma mais sensível e próxima do real ajuda a quebrar estereótipos e preconceitos do público.

E é muito legal perceber que, com o passar dos anos, muitos artistas se sentem mais à vontade em falar sobre os BLs e como são gratos pelo que conquistaram com eles. Ter essa representatividade traz muita diferença, porque, inevitavelmente, isso reflete de forma positiva na comunidade e na mídia.

Podemos citar nomes como Kim Ji Woong (ZEROBASEONE), que protagonizou K-BLs como “Roommates of Poongduck 304” e “Kissable Lips”. Park Jae Chan (Dongkiz), do drama “Semantic Error”. Cha Joo Wan, de “Love For Love’s Sake”. E Holland, que é assumidamente gay e já atuou em BLs. Se deixar, essa galera panfleta Boys Love até em encontro de família. E isso não é uma reclamação!

Cha Joowan and Lee Taevin instagram video
Um dos vídeos no Instagram de Cha Joo Wan com Lee Tae Vin, protagonistas de Love For Love’s Sake (2024). Clique na foto para assistir.

E você? Conta pra gente quais desses K-dramas você já assistiu. 💖