Perseguir uma carreira na indústria de entretenimento é algo difícil, ainda mais para estrangeiros em uma indústria que, ainda que se dite inclusiva, na verdade, cria diversos obstáculos para estrangeiros, tornando seus caminhos difíceis durante a busca pelos seus sonhos. Ainda que seja lembrado por ser membro do EXO, Zhang Yixing, mais conhecido como Lay, deve ser reconhecido também por ser um dos principais expoentes da exportação de cultura chinesa, em especial pela identidade de seus trabalhos solos.

Assumindo a persona de cantor, compositor, produtor, dançarino e ator, Zhang tem o objetivo de transformar a música pop chinesa (mandopop) e trazer mais reconhecimento para a indústria, algo fácil de notar com a adoção de características da China em suas obras audiovisuais e “LIT”, seu quarto álbum, assume um destaque especial nessa jornada. Dominando o QQ Music Chart em 2020, o álbum apresenta a identidade de Lay enquanto um artista que floresce em um cenário já dominado por grandes nomes e tomado por preconceitos, sendo uma comparação perfeita com o tema de sua faixa título, a flor de lótus (莲花), que floresce em lugares inóspitos.

Composto por doze faixas, o álbum trabalha com o conceito de “vida dupla” na ligação entre a música tradicional chinesa e o pop, que representam, respectivamente, a primeira e a segunda parte da obra. O trabalho apresenta a brilhante trajetória de Lay enquanto um artista multifacetado, desde sua presença no EXO e participações como mentor de dança, até a abordagem cultural que seus projetos audiovisuais buscam, culminando em “LIT”. Com ele, além de se reafirmar como o grande rei da indústria, o artista volta às suas raízes, abraçando a herança por meio de inspirações da cultura chinesa, como o filme “Adeus, minha concubina” (霸王别姬), de 1993.

Fui inspirado pela primeira vez por ‘Adeus, minha concubina’, porque gosto muito da figura histórica de Xiang Yu e da história [do filme]. Ninguém jamais fez associação entre o Rei Hegemon e a imagem do lótus. A disposição de Xiang de morrer no campo de batalha reflete sua determinação inabalável. Sua determinação é também a representação perfeita da pureza do lótus – algo que não diminui, embora o lótus surja da lama.

Lay, em entrevista ao portal Bandwagon.

O filme de 1993 retrata uma das peças tradicionais da Ópera de Pequim, narrando a história de Xiang Yu, autodenominado como “Rei Hegemônico do Chu Ocidental”, um ambicioso herói que queria conquistar o território chinês. Na peça, o espectador conhece os objetivos de Xiang Yu, sua desavença com Liu Bang, posteriormente fundador da dinastia Han, e, em especial, sua trágica história de amor com a Consorte Yu, sua esposa. 

Além da importância da obra, que inspira as seis faixas da primeira parte de “LIT”, é importante acrescentar que neste estilo de ópera, os atores são responsáveis por interpretar papéis definidos desde o início de suas carreiras e impossíveis de serem trocados, de forma que o alto nível técnico e a perfeição exigidos torna-se uma escolha para a vida toda, levando os atores a um intenso treinamento em busca da perfeição. 

Estaria Lay não somente voltando às origens de seu país, mas também relembrando seu passado de trainee e sua carreira em uma indústria que constantemente exige uma perfeição de seus membros? Essa é uma das reflexões que o álbum pode causar nos fãs, se esses estiverem atentos à referência adotada.

Compondo a primeira parte do álbum, em que há uma metáfora de fusão do tempo no alinhamento entre um passado, representado por elementos tradicionais da música chinesa, e o presente, exposto na música pop, as seis faixas iniciais contam a história na perspectiva de Xiang Yu, o herói de “LIT”, e na da Consorte Yu, a amada de “Jade”, entrelaçadas nas outras quatro músicas, mas também o triunfo de Lay enquanto um artista bem-sucedido. A colaboração com produtores internacionalmente conhecidos, como a canadense Murda Beatz, cria uma aproximação com o gosto popular e caracteriza o mandopop de Lay, que funde elementos musicais orientais e ocidentais. 

Lançada antecipadamente, “Jade” adota a perspectiva da consorte, retratando sua escolha de morrer por uma causa nobre, ao lado de seu amor, ao invés de viver uma vida vergonhosa, representando a beleza e tragédia do caminho romântico presente na ópera e na essência da personagem. Em complemento, “LIT” apresenta o ponto de vista de Xiang Yu, a perfeita representação do espírito do lótus, que, com o orgulho e confiança de um grande herói, também escolhe morrer em um campo de batalha lutando por suas ambições, fugindo de um encerramento vergonhoso e permanecendo imaculado em meio à sujeira, tal como a flor. 

Dando continuidade a história, “Eagle” é uma faixa hip-hop, no qual as batidas usuais são substituídas por sons dos instrumentos de corda tradicionais chineses, destaca a importância que a figura da águia possui em sua cultura, abordando novamente o orgulho presente na personagem de Xiang Yu. Por outro lado, “H2O” apresenta a perspectiva mais romântica do casal, comparando a disposição da água e o amor compartilhado entre os dois amantes, enquanto “Fly”, um trap moderno, representa a determinação e persistência existentes na persona artística de Lay, que superou os obstáculos existentes em uma indústria tomada por preconceitos e estabeleceu seu nome com sucesso, tornando-se referência.

Encerrando a primeira parte do projeto, “Soul” é a junção dos elementos expostos nas outras músicas – orgulho, fidelidade, poder, compatibilidade e perseverança –, terminando o caminho do ouvinte em meio à vida passada do herói, mas também iniciando uma segunda fase, representada pelas seis faixas seguintes, levando-o ao “presente”. 

Com a mistura que Lay realiza entre os idiomas, mandarim e inglês, e também entre os componentes musicais, “LIT” é o trabalho perfeito para celebrar as características do mandopop do artista, assim como a sua posição de sucesso na indústria com sua individualidade. Não sendo somente uma celebração à sua carreira, ao se consagrar o rei, Lay também homenageia a cultura e a história chinesa por meio de um projeto audiovisual brilhante em seis faixas recheadas de referências. Assim como a lótus, tanto o rei Xiang Yu quanto Lay permanecem prósperos em meio às adversidades existentes, buscando conquistar seus objetivos e se consagram como importantes figuras para a China, criando essa grande ligação entre o passado e o presente.