O k-pop conquistou o mundo e isso não é novidade. Desde 2017, eventos e lançamentos relacionados ao gênero começaram a ser amplamente divulgados, conectando fãs de diferentes países. No entanto, os lados negativos também existem e é impossível finalizar 2024 sem comentar uma das maiores questões dessa expansão: até quando as opiniões do mercado doméstico ultrapassaram o mercado internacional? 

O embate entre fãs internacionais e sul-coreanos é um reflexo das diferenças culturais, sociais e comerciais que permeiam a indústria e, neste ano, o caso de Hong Seung Han, ex-membro do RIIZE, destacou novamente essa divergência. Sua saída trouxe à tona não apenas a dificuldade das empresas em estabelecer uma relação saudável entre artistas e fãs, mas também a tensão entre mercados locais e globais, evidenciando como essas diferenças moldam a percepção e o tratamento dos artistas. 

Há 11 meses, Seung Han tornou-se o centro das atenções públicas após o vazamento de fotos e vídeos pessoais com uma ex-namorada, amigos – incluindo Soobin, do TXT – e o uso de cigarro. Essa questão trouxe uma reação negativa por parte de BRIIZE sul-coreanos, que entendiam como uma ofensa às rígidas expectativas de perfeição moral exigida dos artistas da Coreia do Sul. Segundo Michelle Cho, professora da Universidade de Toronto, os idols de k-pop e artistas ocidentais são enxergados de maneira diferentes pelo mercado doméstico, de forma que essas jovens celebridades têm o dever de manter altos padrões de moralidade e caráter ao público, já que a cultura, em geral, deve ter um impacto edificante na sociedade – como estabelecido no período em que o país estava sob o governo do regime autoritário. 

A SM Entertainment, empresa responsável pelo RIIZE, anunciou o retorno de Seung Han às atividades do grupo após quase um ano em hiato, uma decisão que foi celebrada pelos fãs internacionais, tanto no X quanto por meio de projetos de streaming dos conteúdos do grupo. No entanto, a reação negativa dos fãs sul-coreanos foi imediata, enviando flores de velório à frente da empresa, com mensagens pedindo a saída definitiva do mesmo e destacando o desejo de que o grupo se mantivesse apenas com seis membros. Levando em consideração a reação doméstica, em menos de 48 horas a SM voltou atrás do anúncio, causando a tranquilização do fandom coreano e críticas do internacional.

Decepcionados e irritados com a notícia, apontando o impacto que decisões como essa podem ter na saúde mental dos idols, alguns fãs iniciaram um boicote, que ganhou forças rapidamente ao redor do mundo. Ele envolvia a não interação com qualquer conteúdo relacionado ao grupo, assim como o cancelamento de compras de produtos e boicotes a marcas patrocinadoras dos meninos. Várias lojas de k-pop aderiram ao movimento, anunciando a suspensão da venda e importação de produtos do RIIZE, como a SubK Shop e a LightUpK, como forma de pressionar a empresa a rever sua decisão. 

A situação é mais um exemplo da perspectiva distinta em diferentes contextos culturais do que é um “idol”. De acordo com CedarBough Saeji, professora da Universidade Nacional de Busan: “para os fãs internacionais, idol é apenas um termo simples para se referir a artistas, enquanto na Coreia significa que é um artista digno dessa idolatria – estrelas que devem ser perfeitas, inclusive fora do palco”. A mídia assume um papel crucial nessa perspectiva, uma vez que utilizam as celebridades como exemplos para moldar a opinião pública sobre comportamentos sociais. 

Esse distanciamento cultural não é uma novidade, uma vez que tópicos comuns, como a embriaguez, são enxergados de modo distinto entre ambas as mídias, como mostrado no caso do Suga, membro do BTS. Enquanto na Coreia digirir embriagado é considerado um crime grave, quase como um assassinato premeditado, no exterior essa percepção pode ser mais branda. Assim, enquanto a mídia sul-coreana foca intensamente nesses pequenos incidentes, a mídia internacional tende a ser mais distante e moderada, refletindo no posicionamento popular.

Na Coreia, fãs organizaram protestos pedindo pela saída de Suga do BTS, argumentando que o mesmo deveria tomar responsabilidade pelo acidente que, na percepção deles, prejudicou a reputação do grupo e os decepcionou. Internacionalmente, o público veio em sua defesa, expressando críticas tanto em relação aos fãs quanto à cobertura que a mídia coreana fez do caso, enfatizando que não deveria esperar que os membros tomassem mais responsabilidades do que eles são legalmente exigidos. 

O caso do Seung Han ilustra como o k-pop promove interações parassociais sem limites entre fãs e artistas. Diversos segmentos da indústria, como os k-dramas, promovem uma fantasia romântica em relação à algo, mas, no k-pop, há fãs que não consegue separar a realidade da “ficção”, uma vez que essa é uma indústria que cultiva o forte engajamento dos fãs por meio de uma variedade de eventos – fancalls, fansign presenciais, sala de bate-papo, etc. Pela falta de limites, esses fãs se sentem no direito de ficarem pessoalmente ofendidos e traídos quando seus idols fazem coisas com as quais não se identificam ou aprovam – como namoros, fumo, tatuagens, etc. 

Fansign presencial do RIIZE, em Tóquio.

A decisão da SM Entertainment em priorizar a demanda do fandom coreano, que se coloca em prontidão para exigir pedidos de desculpas e outras ações quando se sentem desrespeitados não é novidade, uma vez que a equipe responsável pelo grupo já alterou o design da lightstick e do nome do fandom com base nos feedbacks. A reação negativa à volta do Seung Han já era esperada, mas, novamente, a empresa resolveu agir colocando sua economia e a opinião dos fãs sul-coreanos como prioridade, em detrimento a saúde mental do artista e ao desejo dos membros, que comentavam positivamente sobre a volta dele ao grupo.

A saída do Seung Han deixou as relações entre a SM Entertainment e BRIIZE sul-coreanos tranquilas, mas criou tensões com os fãs internacionais – justamente o público que a empresa tenta conquistar com o RIIZE. Isso nos leva a questionar se as empresas de k-pop estão prontas para equilibrar as expectativas de mercados tão diferentes, porque, por um lado, respondem rapidamente aos boicotes domésticos, como a mudança de espaços de shows da turnê “SHINee World VI: Perfect Ilumination”, do SHINee, mas não estão dispostos a escutar o mercado global, anunciando o debut solo do Seung Han para o próximo ano.

A conquista do fandom doméstico é importante, uma vez que esses fãs conseguem consumir com facilidade os eventos promovidos pela empresa, ajudando na popularidade do grupo. Mas, se o k-pop quer expandir sua influência globalmente, as empresas também não deveriam começar a ouvir e respeitar as opiniões dos fãs internacionais?